terça-feira, 22 de outubro de 2013

Fetiche



 por: Katarina, a lâmina sombria.
Parte I

         Chloé estremecia ao toque suave da brisa acompanhada pelo calor dos raios solares. O embalo denso, ao qual seu corpo era submetido aquela manhã, a fazia implorar que nunca fosse noite.
Afundar seus dedos na areia e sentir o quente se dissipar em sua pele. Ceder ao momento insólito que desfrutava aquela semana era melhor do que riscar a camada do crème brûlée com a unha do mindinho.
       E em seus pequenos prazeres ela se desfazia por completo. Nada a faria se perturbar aquele momento, nada. Nem mesmo a sensação absurda de que era observada naquele lugar deserto.

        Albert atravessava a rua Pison, enquanto se adiantava para a doceria na esquina com a Femmoir. A vitrine expunha os mais belos doces. Belos ao ponto de não se dar nenhuma mordida, apenas para admirá-los por mais tempo.
         De encontro ao passeio, ritmou seus passos para a porta, mas foi desviado de seu destino por um velho senhor que vendia flores na esquina vizinha. O senhorzinho curvilíneo se aproximou com um ramalhete em mãos e por uma ditosa quantia lhe vendeu as flores.
          O velho saiu feliz com sua preciosa nota, cuidadosamente conferida e aninhada ao maço que dispunha em seu bolso. Albert prosseguiu e adentrou a loja.
Em seu interior a doceria possuía uma vastidão de doces e enfeites coloridos. A atendente, uma jovem magricela logo o reparou. A moça sorria amável enquanto um par de olhos a seguia por detrás de um balcão.
_Posso ajuda-lo cavalheiro?
_Procuro um doce.
_Algum específico?
_Não. Apenas um doce.

        A garota o detinha em seu olhar brilhante, mesmo quando Albert lhe infligia sua indiferença glacial. Talvez um pouco de amabilidade não fizesse mal algum, mesmo por que deveria se aliviar da pressão que o ambiente hostil do escritório podia causar.
Decidiu sorrir do modo mais gentil que havia conseguido. Devia ter surtido algum feito, pois logo a moça se mostrou prestativa e lhe apresentou diversos doces que lhe pudessem interessar.
     Passava as páginas do catálogo entre os dedos um tanto delicados para uma confeiteira. Apresentou as guloseimas em ordem alfabética, passando desde o simplório e holandês alcaçuz até o magistral mil folhas. Tantas páginas foram desdobradas a sua frente, porém seus olhos já não as acompanhavam mais, porque estavam dependurados sobre a tez pálida da criatura a seu lado. Olhos claros, cabelos cor de mel, boca pequena, corpo delgado, traços suaves...
      Por fim a garota notou sua ausência e lhe inquiriu sobre o doce preferido. Albert riu pela perspicácia e resolveu sondá-la melhor.
_A senhorita me sugeriria algum doce em especial?
_Não sei... o senhor me parece não ser atento o suficiente para tais assuntos.
Albert alargou o sorrio da forma mais sensual que sabia fazer. O efeito foi imediato apesar da garota ainda desejar demonstrar o falso desinteresse, assim o julgava.
_Realmente a senhorita me flagrou... não possuo muito interesse nos doces...
A expressão teve notável mudança após aquelas palavras. Os olhos dela recaíram sobre o ramalhete, enquanto os lábios finos se retorceram. A partir daí os acontecimentos tomaram um rumo menos sedutor.

_ _
        Um banho demorado era tudo o que ela desejava no momento. Seu corpo se dissolvia com a corrente de água que lhe enrubescia a pele gélida e fina.
Enquanto secava os fios curtos de seus negro cabelos ela podia ver a silhueta pelo reflexo do espelho e dos vidros. Ao longe o som das ondas se quebrando nas pedras e o reflexo prateado que as águas ganhavam a luz do luar.
        Sentou-se na beirada da macia e extensa cama, pondo-se a espalhar o hidratante. Seguia lenta e suave em sua exploração pelos próprios contornos. Tocou cada parte de sua pele, notando os arrepios provocados pelo contato com o creme gelado. Incendiou ao passar as pontas dos dedos em suas texturas suaves. Escovou os curtos cabelos e vestiu a camisola de seda negra.
Correu a porta de vidro e se deparou com a maré. O mar estava a vinte metros da pequena varanda.      
      Apertou os dedos no contorno do corrimão e meneou a cabeça ao sentir a brisa quente que emoldurava o tecido frio em suas pernas e torso.
      Passou algum tempo naquela posição até ouvir o som do telefone. O único aparelho que a conectava ao mundo. Ignorou os chamados insistentes e tomou o pequeno livro nas mãos. Gostaria de poder iniciar a leitura, mas seus sentidos foram aguçados ao perceber a figura que a espreitava da areia.
         Um torso bronzeado refletia a luz prateada. Mãos grandes percorriam cabelos jogados ao vento.
         Um deus, Chloé pensou. Ou um semi deus, não faz diferença.
       De repente o medo lhe tomou conta. O que aquele estranho havia visto? Sentiu seu interior se contrair e algo denso e perturbador brotar dentro de si... os batimentos foram as alturas e apesar de não desejar sair da posição em que se encontrava, suas pernas foram mais ligeiras e logo se percebeu correndo para longe.
      A uma certa distância pensou ter conseguido escapar de seu semi deus misterioso, mas os pensamentos foram traídos quando notou mãos que a arrastavam pela cintura. Gritou, esperneou, mas não via o estranho se reprimir.
O que ele fará comigo? Era a dúvida que a assombrava.
_ _

_Uma dessas, por favor.
        O velho entregou a rosa e logo capturou a nota que lhe era estendida. Afoito tentou oferecer outras variedades, mas o homem se posicionava irredutível em sua escolha.
         Se afastou do senhor e adentrou a loja. Com o olhar varreu o ambiente e encontrou seu objeto de procura. Pensou em se aproximar e falar logo o que precisava, mas se conteve.
         Durante algum tempo ficou observando o interior da loja, notou as embalagens e as guloseimas. Ainda possuía a mesma sensação de que o fitavam. A sua esquerda os mesmos olhos o percorriam atentamente. O senhor ainda era desconfiado de sua presença, Albert podia sentir.
        Mas as desconfianças logo se suspenderam quando outro par de olhos pousaram sobre ele. Olhos claros e brilhantes tentavam esconder as sensações que transpassavam aquele rosto.
       Após a saída do último cliente, ele se aproximou. Ignorado por algum instante ele a viu ir para trás da loja. Aproximou do balcão e foi questionado sobre seu interesse naquele local. Respondeu de modo firme e acabou por diminuir as desconfianças do velho. Ao retornar, a jovem dispunha de uma bandeja.
_Venha cá Julie... esse senhor disse que precisa lhe falar.
_Sim vovô.
Albert se aproximou. Mantinha sua mão presas a rosa. Estendeu a flor e notou o rubor nas faces outrora pálidas.
_Julie, converse com o senhor. Ele lhe é gentil, aceite o presente.
       Os dedos se esbarraram naquela troca. As faces voltaram a se incendiar e Albert tomou-lhe a mão, fazendo-a segui-lo pela loja. Ao consentimento do senhor que os observavam eles saíram.
Demorou um pouco até que alguém tomasse a iniciativa, mas por fim ela acabou iniciando a conversa. Os minutos se passaram, depois as horas e logo estava escurecendo. A conversa, apesar de, na maior parte, ter sido sobre questões corriqueiras revelaram pontos fundamentais sobre ambos.
Em uma das partes, Julie emudeceu ao descobrir a confusão que era suposta ter cometido. Quando Albert lhe disse que as flores do dia anterior não foram entregues e o motivo, a garota teve um acesso de vergonha extrema. Como forma de se redimir ela precisou aceitar o insistente convite dele para saírem no final de semana.
_ _
_Uma belíssima dama tenho hoje em minha companhia.
         Já era o sexto passeio que Julie fazia com Albert. Ele sempre se mostrava galanteador, educado, culto, gentil e respeitoso. Além de ser dono de uma beleza incrível. Muitas qualidades para um homem apenas, Julie havia pensado no início. Porém, após diversas saídas, ela passou a conhece-lo melhor.
        Ele não era como outros homens que havia conhecido. Era diferente, não apenas pelo fato de ser mais velho e sim por nunca ter feito ou dito nada que a pudesse ferir ou deixa-la em constrangimento.
         No início, pensava que logo ele a deixaria de lado. Mas ao perceber que a situação não era essa, Julie começou a enxergar o homem, que agora estava a sua frente, de um modo diferente. E durante uma semana, reuniu coragem o suficiente para fazer algo que julgava necessário. Hoje seria o grande dia.
_Pagaria com o mais valioso dos tesouros para conhecer seus pensamentos.
Julie sorriu ainda desajeitada com o galanteio. Por mais que já fosse hábito, ela nunca se acostumaria com os modos gentis daquele homem intrigante. Por alguns segundos ela emudeceu.
_Minha dama prefere partir?
        Já haviam terminado o jantar a algum tempo. Era a segunda vez que eles saiam para ir a um dos mais caros restaurantes do centro. Por mais que Julie houvesse insistido em não possuir porte para frequentar tais lugares, Abelrt sempre havia se mostrado generoso. Ela não aceitava que ele lhe comprasse presentes caros, mas não pôde recusar o presente de aniversário. E hoje usava o Dior azul claro.
       Percebeu quando Albert já chamava o garçom e encerrava a conta. No caminho de volta, Julie permanecia quieta dentro do imponente carro. Pararam a distância de uma rua do pequeno apartamento onde ela vivia com o avô. Surpreendeu-se por Albert não ter avançado e parado em frente do prédio como de costume. Assustou-se, mas logo se acalmou ao perceber a expressão calma e preocupada do homem.
_Julie, hoje à noite eu disse ou fiz algo que a ofendeu?
       Negou com a cabeça e abaixou o olhar. Sentiu mãos tocarem seu maxilar e levar seus olhos ao encontro de uma bela figura em um smoking. Seu coração parou. Deveria sair daquele carro, correr rápido e se colocar em segurança. Entretanto de seus lábios saíram a pergunta que a perturbaria pelo resto da noite.
_Por que você perde seu tempo comigo?
        Albert se manteve calado por um tempo. Fechado em seu interior, como ela o viu fazer diversas vezes. E a resposta que recebeu em seguida a tirou da órbita. Albert confessava que ficar ao lado dela sem poder tocá-la era um tormento, mas não mantinha esperanças, pois sabia que ela preferiria alguém de uma idade parecida e não um velho como ele. O que não era verdade, pois Julie não o via como um velho.
         Perdeu a razão, assim pensava. Pois em um curto instante, seus lábios já estavam selados ao do homem a sua frente. As mãos suaves percorriam o corpo másculo. O lábios sugavam a boca do outro com extrema delicadeza.
          No início, sentiu Albert ser cuidadoso, mas logo o homem já não respondia mais com muita delicadeza. Sugava seus lábios de forma voraz e puxava-lhe pela cintura. Por mais assustador que o pensamento pudesse ser, Julie queria sentir seu corpo colado ao dele. Intensificou ela mesma os modos e logo a luxúria pediu passagem entre os dois.
         Era pressionada contra a porta do carro, enquanto a boca explorava os contornos de seu pescoço com extrema audácia. Sentiu o torso pressionado pelos braços fortes e as mãos que lhe percorriam e apertavam as pernas.
        Arfou ao contato daquele corpo com o seu. Queria senti-lo. Desejava-o. Mas não ali, daquele modo. Acabou por dizer o que havia pensado em fazer a noite toda, sem nenhum traço de arrependimento e com os lábios ainda inchados:
_Vamos sair daqui...
         O carro avançou veloz pela rua, enquanto uma das longas mãos ainda pressionava sua perna.

 

... continua

 by Katarina


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