quinta-feira, 31 de outubro de 2013

-Halloween-


Preparou o último frasco, ouviu o gato ficar arisco. Os instintos aguçaram. Alguém batia insistente na porta da pequena choupana. Estava de volta no condado de Västra Götalands län.
_Helvetet!... já vai... não bate mais, ouviu bem?! Vou arrancar a sua mão se bater mais uma vez nessa maldita port...
Os olhos do outro lado a fitavam. Não podia ser, não era... Impossível ! O choque a fez recuar. A criatura a espreitava com seu olhar de ódio. Ódio acumulado por anos e anos de existência.
Correu para a floresta, mas não chegou ao fim da clareira. Seu corpo agora estava inerte no chão, dolorido. Os órgãos estavam se dilacerando por dentro, a cabeça fritava, mas conseguiu um momento de lucidez para fazer algo que a pouco jugava inimaginável...
Lançou a proteção.
A luz envolveu o seu ser e se fundiu ao seu corpo. Sentiu uma espécie de vazio e completo ao mesmo tempo. Então, era desse modo que a proteção funcionava... sempre acreditou ser algo muito mais forte e terrível ao se abdicar dos seus poderes. Tentou encontrar a criatura em sua visão turva e observou apenas as bordas das vestes esfarrapadas. Estava tremendo, sentia muito medo do que poderia acontecer. Ouviu a voz sibilante e asquerosa sair dos lábios daquele ser.
_ наконец Ваша шлюха!
E agora era o fim. A punhalada foi rápida, mas não havia dor. Seu corpo se fechou completamente e tudo o que saiu foi luz. Mas a luz não era real, pois logo se transformou em sangue. Sangue morno que escorria em sua pele. A dor veio, a proteção não funcionou, perdeu seus poderes...
***
Acordou assustada e se lembrou das palavras que com certeza Kastena diria. “Devana, sonhei com você... deve sair daí, minha irmã... o ciclo irá se iniciar... saia o mais depressa possível.”
O ciclo. As três noites. O sabbat negro. O samhain. Tudo isso para se referir ao tormento que sua vida se transformou desde que descobriu a maldição imposta pela conversão da mãe.
Evvy, sua tia, havia lhe contado a história da conversão de sua mãe e a horrenda e misteriosa morte da bruxa. A tia sumiu logo em seguida, depois apareceu louca. Havia caído nas mãos dos malditos torturadores czaristas. A maldição que havia desencadeado tudo consistiu em desespero, mortes e banimentos. Inclusive o próprio exílio de sua amada irmã.
Havia ocorrido no século XVI, seus poderes ainda eram parcos. Kastena apareceu em sua porta, a irmã implorava por ajuda como se o mundo fosse acabar e repetia que a estavam perseguindo. Ao fim da tarde, avistou um soldado que ia em direção a cabana. Não conseguiu impedir Kastena de lutar e teve que observar o corpo da irmã ser rasgado por um punhal desde o umbigo até a boca. Implorou aos deuses que redobrassem suas forças e usou seus poucos conhecimentos. Após aquilo, tudo não passava de um borrão.
Em cada vida que ela teve, a história se repetia. Um ciclo infindável de perseguição até que houvesse um meio de quebra-lo. Havia descoberto que o soldado czariano era na verdade um poderoso mago e que também teve sua alma exilada pelos poderes que foram lançados aquela noite. Estava sob a ira de um mago milenar e sem a proteção ou o apoio da irmã.
A cada ano tornava-se mais difícil se esconder. Porém, por sua sobrevivência, ela precisava tentar, mesmo que permanecesse mais trezentos anos nessa condição. Dessa vez havia escolhido um local bem quente. Uma ilha.

Devana off ________________________ Nêmeses on

A luz fosca do véu estava se enfraquecendo. Logo seria a hora de atacar. Destruiria aquela que arruinou sua vida, que havia prendido sua alma e poderes numa dimensão. Selaria o destino de Devana com seu simples estalar de dedos.
Ao cair do véu, observou o pequeno suvenir em suas mão. Um ridículo cordão de prata que havia permanecido em suas vestes durante anos a fio. Hoje, finalmente, aquele cordão teria uma verdadeira utilidade.
_ давай, ты свинья идиота !
Repetia as palavras sentindo o prazer escorrer lhe pelos lábios. Observava a figura patética que havia dominado. O seu trunfo.
_Agora use a sua maldita ligação de sangue e encontre-a!
Sentiu que não iria colaborar sem que um pequeno estímulo fosse dado. Pousou as mãos sobre os cabelos muito claros. Sentiu a criatura tremer. Passou os dedos bem devagar provocando uma ferida em sua testa. A mente se abriu. Entrou e pôde ver onde aquela bruxa se escondia. Finalmente, Devana! Não conteve o sorriso de carnificina nos lábios amargos.
Nêmeses off _________________________Devana on

Devana se preparava para o ritual viking que iniciaria o novo sabbat.
_ Jag ger min själ till gudarna, Devana, gudinna av gudarna
Fez as preces e pela primeira vez em anos lembrou-se da mãe. Afastou os pensamentos da cabeça e olhou ao redor. Mata densa e pouco iluminada pela fogueira que havia aceso.
Algo se mover entre as árvores.
Escuridão total.
Medo.
_Kastena?!
As duas se abraçaram. A emoção era intensa. Estava trêmula. Tanto tempo sem se reencontrarem. Mas de repente a irmã parou. Havia ficado imóvel.
_Cuidado Devana... é uma armadilha... ele me trouxe até aqui... me fez te encontrar, te seguir...
Köhnvstro se aproximou das duas. O monstro que matou sua irmã.
Mas havia algo errado. O mago não se movia mais do que isso. De repente ela percebeu o brilho que vinha das mãos do homem. Ouviu a voz de Kastena:
_Va em frente Devana, não o deixe escapar! Mate-o, agora!
Virou-se. Encarou a irmã.
_Mate-o você minha irmã, já que é mais forte do que eu... veja, ele está preso, não fugirá...
A risada ecoou pelos cantos. Perversidade dominava a aura daquela mulher.
_Não, De va na... você deve mata-lo... você tem que fazer o trabalho sujo... você me colocou nessa situação... e agora você irá me tirar dela.
Seu corpo foi empurrado contra uma árvore. Os poderes da irmã era maiores.
_Me solta!
_Mate-o!
_Por quê?!
Mais risos saíram da garganta asquerosa da mulher. Sentia asco por ter o mesmo sangue que tal criatura.
_Sou mais forte do que você, mais rápida e de melhor linhagem... oh, está surpresa?!... pois é... eu matei a mamãe...aquela vadia, igualzinha a você... eu entreguei a tia E vv y para os torturadores, aquela velha maldita... ao menos serviu para contar a minha verdadeira descendência... imagine a mim, a bruxa mais poderosa que já houve... filha do mago mais poderoso e de uma bruxa de linhagem pura... e agora que estamos aqui, reunidas novamente... mostre que é útil ao menos uma vez e curve-se a minha vontade... mate-o!
Sentia nojo por nunca ter percebido o monstro com o qual convivia todo esse tempo. A verdadeira nêmesis.
 
Por quê?
_Não se acanhe, queridinha... sei que ai dentro, você sabe o tamanho da sua fraqueza... Apenas escolha o lado correto. Mate-o!
Sentiu que seria esmagada se não fizesse aquilo. Meneou a cabeça e afirmou com os gestos. O corpo afrouxou. Andou até a criatura. Olhou-a nos olhos. Realmente irreconhecível. Alcançou a adaga que estava estendida para ela. Dirigiu-se até o homem ajoelhado. Ele estava muito fraco.
_Deve usar sua magia enquanto enfia a adaga no coração dele.
_E se eu não acertar?
_Vai acertar... porque só assim eu me libertarei...
Ajoelhou-se a frente do homem. Olhou-o nos olhos. Encontrou ali o que havia procurado durante anos e anos. A escolha em suas mãos.
_Kastena... você ainda não me contou o por que dele ter ido até a cabana aquela noite...
_Não seja idiota! Mate-o!
_Responda-me primeiro...
_Ele estava te caçando, Devana. Queria te encontrar, agora mate-o!
_Mas... porque ele me caçava se já tinha você, a filha dele?
_Mate-o!!!
Ergueu a adaga, cuja lâmina se unia ao brilho do seu próprio poder. A força se esvair de seu corpo. E de repente ouviu a voz de Kastena. A voz que lhe dizia para matar. A lâmina desceu, mas foi o seu próprio peito que ela atravessou. Sentiu a luz sair e depois o sangue.
_Então é assim que se lança a proteção... – a vida deixava o seu ser enquanto braços a recolhiam cuidadosamente. Os braços do seu pai, seu amado pai.
Antes que o véu se fecha-se, ela ainda pôde ver o desespero de Kastena e as lágrimas que o pai derramava em sua face. Sua irmã passaria a eternidade presa entre os dois mundos. Infelizmente o pai também, mas ela, Devana, se reuniria a sua mãe naquilo que costumava chamar de céu. E pela primeira vez na vida podia compreender o que era ser livre.














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