segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A travessia



Brazil, março de 2087
A terra tem se tornou um ambiente hostil. Desde o descongelo das geleiras que ocasionaram a queda da temperatura oceânica deu-se inicio a uma nova era glacial. Mais de um terço da população mundial havia morrido. Nada mais era como antes. A Nova Ordem era a organização que controlava o mundo agora, não havia mais países, nem leis, todos estavam subordinados a ela.
Embora possuísse a hegemonia mundial, a organização tinha uma grande pedra no sapato, nós, a Tribuna, um grupo de resistência que estava ganhando cada vez mais força. Essa se instalou no subsolo da cidade de São Paulo, com as mudanças climáticas a grande parte da população que vivia ali ou morreu ou fugiu, com isso o metrô acabou sendo desativado deixando um emaranhado de túneis os quais se equiparavam a um labirinto.
Meu nome é Noah Locke e sou o que chamam de o atravessador, meu trabalho é guiar os adeptos a causa até o esconderijo da tribuna. Conheço aqueles caminhos como ninguém.
Uma semana atrás, Derek, o líder da tribuna veio até a mim e me deu a seguinte missão: Eu teria que trazer Eveline sã e salva aqui para baixo. Tarefa simples, ou pelo menos era o que eu imaginava.
Olhei no relógio já era quase três da tarde, o horário combinado. Eu não sabia explicar por que, mas algo fazia com que eu tremesse. Observei as pessoas que passavam na rua, das poucas, raras olhavam o homem parado ao lado de um telefone publico em frente à rodoviária, nenhuma delas se preocupava comigo; a sua vida já a sua vida já lhe exigia o bastante para perder tempo com esse tipo de coisa.
15: 28 Ela estava atrasada. Comecei a ficar preocupado. A ordem perseguia muitos membros da tribuna, não era seguro para nós desfilarmos por ai. Mas Eveline não era um simples membro, ela estava infiltrada na cúpula da ordem e fora descoberta. Sabia demais, seria caçada até o inferno por eles. Ela precisava chegar logo à tribuna, caso contrário estaria com seus dias contados, se é que ainda lhe sobrariam dias.
Olhei os guardas que passaram por mim e fingi estar ao telefone. Havia homens a trabalho da nova ordem em cada esquina, não era tarefa fácil passar despercebido por eles.
Um ônibus se aproximou, rezei para que ela estivesse lá. Aos poucos os passageiros foram descendo, um policial verificava documento por documento. Até que desceu uma mulher, envolta por um pesado sobretudo branco, olhos azuis e longos cabelos cacheados loiros. O policial aproximou o leitor de retina, para verificar a identidade da mulher.
– Está limpa, pode ir. – disse o policial ao ver uma luz verde piscar no painel.
A mulher fingiu um sorriso e pegou a sua pequena bagagem. Caminhou lentamente em minha direção e desabotoou o primeiro botão do sobretudo deixando aparecer um broxe pregado a blusa com o símbolo da Tribuna. Era ela!
Abri um leve sorriso. Até então estava sendo bem simples.
– Noah? – ela perguntou baixinho.
Assenti com a cabeça.
– Precisamos sair daqui. – ela disse.
Estava certa, precisávamos. Peguei a sua mala e fiz menção em caminhar na direção de um beco, mas antes que eu desse um passo sequer um dos policiais começou a correr em nossa direção.
– Droga! – ela exclamou.
Olhei confuso.
– Vamos! – ela só faltou berrar.
Peguei a mala e sai correndo atrás dela.
– É ela, peguem-na! – ouvi um dos policiais gritar. – Viva ou morta, para a Ordem só importa a cabeça.
Um tiro passou raspando pelo meu ombro e acertou um poste a minha frente. Ela abriu as pressas um compartimento da bolsa e tirou uma caixa de chumbo, onde havia duas armas dentro. Jogou uma para mim enquanto continuávamos correndo.
– Sabe usar essas coisas? – perguntou ao se escorar atrás de um muro.
– Tecnicamente sim. – respondi. Havia recebido alguns treinamentos na Tribuna, mas a minha praia eram os trens. – Precisamos chegar até a estação.
Os policias estavam cada vez mais perto. Eveline atirava contra eles o que impedia a sua rápida aproximação. Ela conseguiu balear um na perna e esse caiu ao chão.
– Não vai demorar muito até que avisem aos outros. – ela advertiu.
– Para lá – apontei para um carro estacionado, onde uma mulher guardava as suas compras.
Corremos na direção do automóvel e entramos as pressas, a mulher espantada viu a porta do veiculo bater. Liguei a chave e dirigi na direção do cruzamento, ao longe um helicóptero vinha em nossa direção.
– Vou morrer. – a ouvi sussurrar suando frio ao meu lado.
– Não se depender de mim. – garanti a ela. Eu estava ali justamente para isso, levá-la em segurança até a Tribuna.
O helicóptero começou a atirar em nossa direção, o vidro de trás do carro se estilhaçou e nos abaixamos para nos proteger dos cacos.
Segurei firme no volante e pisei no acelerador fazendo ziguezague pelas avenidas a fim de despistar o helicóptero, ou que ele se chocasse com algum dos edifícios. Tentativa fracassada, ou eu nos tirava dali ou morreríamos em poucos minutos.
Ela apertou o meu joelho assustada, a mulher durona de poucos minutos se desvaneceu perante a morte iminente. Olhei para ela por um breve milésimo de segundo e tentei sorrir.
– Foi tolice minha achar que sairia ilesa de tudo isso. – ela pensou consigo mesma.
– Eu vou tirá-la daqui. – prometi mais uma vez. – Há um túnel há alguns quilômetros daqui, nele há uma passagem para os túneis do metrô. Tudo o que precisamos é chegar até lá. Conheço aquele lugar como ninguém. Estará segura lá.
Ela olhou para mim e assentiu, mas o seu sentimento de segurança foi embora segundos depois quando eu fui forçado a fazer uma manobra arriscada com o carro para fugir de alguns tiros.
Senti o meu braço queimar com uma dor lacerante. Respirei fundo para não urrar de dor.
– Você está bem? – ela me perguntou.
– Sim – menti.
– Não! Você está sangrando.
– Eu vou ficar bem. – insisti.
Meus reflexos começaram a vacilar um pouco. Droga! Estávamos quase lá.
Entrei com o carro para dentro do túnel, sai às pressas. Entrei por um buraco apertado e ela me seguiu. Caímos em um túnel ainda mais escuro. Acendi a minha lanterna e procurei por uma locomotiva que costumava deixar por ali. Entrei dentro dela, acionei alguns botões os faróis acenderam iluminado o túnel.
A locomotiva começou a se mover e eu me senti um pouco tonto. Eveline percebeu.
– Você não está bem. – ela disse preocupada, pressionado o meu ferimento.
– Não, se preocupe, vou ficar bem. – garanti a ela. Mas eu já não tinha mais tanta certeza assim.
– Vamos demorar muito?
– Não muito, quando se sabe aonde quer ir.
Ela falava qualquer bobagem apenas para me manter acordado. Se eu desmaiasse ali, certamente morreria ela nunca iria encontrar o caminho para Tribuna em meio aquele labirinto de trilhos.
Estacionei próximo a uma grande porta e saltei da locomotiva. Senti tudo a minha volta começar a rodar. E me esforcei para chegar ao leitor de retina antes de tudo ao meu redor ficasse escuro.
– Seja bem vindo, Noah. – a ultima coisa que ouvi foi uma voz mecânica.
...
– Ele vai ficar bem? – ouvi a vez de Eveline ao longe.
– Vai sim. Só perdeu muito sangue, mas vai ficar bem. – ouvi uma voz masculina.
Abri os olhos.
Um par de olhos castanhos me fitava profundamente. Olhei para a mulher sentada ao lado da minha cama na enfermaria. Cabelos curtos, negros, escorridos... mas?
– Prefere loiras? – ela brincou, praticamente lendo os meus pensamentos. – Eu precisava de um bom disfarce para passar pela policia. – disse passando a mão pelos cabelos.
Ela me encarou. Por alguns segundos não dissemos nada.
– Fiquei preocupada com você, achei que... bem... – ela gaguejou.
– Sou duro na queda. – brinquei.
– Você conseguiu, Noah. Você me trouxe para cá, sã e salva. Obrigada. – ela sorriu.
Eu não soube o que dizer, apenas sorri de volta.
By Ashe.

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