terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Serviço Público


- Eu posso, se eu quiser. – falou ele.
- Você sabe que não pode. – respondeu ela.
- Eu posso muito mais do que você pensa. Quer apostar?
- Seria interessante, mas eu não to a fim de levar bronca por sua causa.
- Por isso você ainda faz o que faz e nunca sobe de posto. Quanto tempo você trabalha pra ele?
- Uma eternidade! – responde ela, rindo.

Ela estava sentada em uma mureta, balançando os pés e ele estava ao seu lado, apoiado na mureta com os cotovelos. Ambos estavam em horário de descanso. Gostavam de alfinetar um ao outro, era seu passatempo favorito, mesmo que às vezes, ele perdesse a paciência e a ofendesse de verdade. Ele era alto, loiro e bonito, ela era baixa e de cabelos pretos. Estavam descansando, olhando o movimento na rua.

- Você gosta mesmo desse trampo de bosta?
- Claro que sim. Paga bem e o horário de descanso é o bastante.
Ele solta um grunhido que mal chegou a se tornar uma palavra. Acende um cigarro e dá uma tragada.

- Você se contenta muito facilmente, não tem ambição e sempre abana o rabinho pro chefe, como um cachorrinho.
- E você sempre quer fazer tudo do seu jeito, se estrepa, fica de mau humor... E depois eu tenho que agüentar o chefe brigando e o sua cara de azedo.
- Eu sei das coisas, ok? – ele levanta a voz, demonstrando irritação. – Pelo menos não sou uma baixinha submissa. Eu quero subir! Fazer mais do que isso, porque sei que mereço.
- Você esquece que ele é quem manda e é ele quem decide quem sobe e quem desce. O chefão dá as ordens e nós, os funcionários de serviço público, obedecemos. A gente podia estar fazendo coisa diferente, se você parasse com suas idéias malucas.
- A culpa não é minha se você é uma acomodada.
- Ah, e tenho culpa eu? Eu tenho culpa que você é um desorganizado? O Gabriel falou que a sua papelada ta uma bagunça, e que eu vou ter que arrumar tá?
- Detesto esse Gabriel... – uma longa baforada de cigarro – é outro capacho do chefe, sempre babando o ovo.
- Ele conquistou a posição dele, e merece estar lá, não é como você que só reclama.
- Mas é que esse serviço enche o saco! Lavar a roupa suja pra depois mandar pra cima, limpinha... Fala ai, que merda de trabalho hein?
- O meu é pior que o seu, não reclama. Sou eu que vou buscar a roupa pra você lavar. Às vezes é tranqüilo, mas às vezes ta um nojo! Não sei como esse povo consegue se tão imundo!

Ela estica os braços para o alto, toma ar e volta a falar:
- Por isso você tem que ficar na sua, estamos juntos nessa, subimos ou descemos juntos, entendeu?

Ele ri com a mão na boca.
- Eu e você... Limpamos sujeira, mas ninguém gosta da gente, por isso ficamos sempre por baixo. Sem falar que o povo adora falar mal da gente. Toda vez que acontece uma merda lá em cima, adivinha em quem eles põem a culpa?
- E eu? Quando eu chego, todo mundo faz silêncio e quando eu viro a costas, eles cochicham coisas uns pros outros...

Ele olha para o relógio e faz cara feia. Apaga o cigarro na mureta e olha para sua companheira.
- Cabo o descanso, hora de voltar pro trabalho.

Ela se levanta e apanha sua foice que estava apoiada na mureta.
- Nos vemos mais tarde... Bom serviço, Lú.
- Eu odeio quando você me chama assim!

E lá vão eles, para mais uma eternidade de trabalho.


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