segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Nolan



Era a segunda vez que os pesadelos não o deixavam dormir. Primeiro, via-se correndo em um lugar escuro, frio e úmido. Depois, sentia que mãos o alcançavam e marcavam todo o seu corpo com unhas enormes que lhe rasgavam a pele. Podia sentir que algo o estava estraçalhando tanto por fora como por dentro.
Sua pele queimava e não havia como pedir ajuda, aliás, não havia mais ninguém no sonho, a não ser ele e a criatura.
Pingando suor, retirou sua camisa, engoliu três comprimidos e secou até a última gota de um copo com água. Suas mãos ainda tremiam e a respiração estava ofegante.
Já mais calmo resolveu fazer algo que o mantivesse acordado pelas duas horas que lhe faltavam para ir trabalhar. Ligou a televisão e se deparou com um filme que o prenderia até que anoitecesse.
As oito da noite Nolan está preparando mais uma dose do tranquilizante. Em sua bandeja há duas seringas prontas para uso, alguns comprimidos e copos com água. As paredes brancas da sala são substituídas por um longo corredor amarelado no qual uma fileira de portas enumeradas se estende. O lugar cheira a remédios e desinfetante. Ele está ali a apenas dois meses e era responsável pelos pacientes do décimo segundo andar. Antes de prosseguir pelo corredor ele apaga o cigarro e coloca a caixa de fósforos no bolso da calça.
Sons de grunhidos são emitidos por de trás de cada uma das portas.
O número um, pintado com uma tinta escura, aparece sob a visão de Nolan. Ele entra. Sua primeira paciente do dia, uma senhora, código 19B. Está aqui a mais de sete anos, foi usada muitas vezes como critério padrão de avaliação, pois pelo que ele sabia, ela foi uma das primeiras em quem o tal tratamento surtiu algum efeito.
Nolan encontra a senhora dormindo em sua maca, mas era hora dos medicamentos, ela precisaria acordar. Chamou um pouco baixo, mas vendo de que nada adiantava ele a tocou na pele amarelada do seu braço. Ela grunhiu e se mexeu alguns centímetros em sua maca, não muito, pois faixas estava atadas em seus braços. Já com os comprimidos preparados, ele os coloca na boca da mulher e ergue o copo com água até os seus lábios.
E por todas as portas Nolan entrou e saiu esvaziando sua bandeja. Restava apenas um quarto, o 27. Existiam mais três quartos após o vinte e sete, mas estavam vazios. Não se sabia exatamente o que havia acontecido com os ocupantes dos quartos e comentários não eram autorizados.
Ao passar o cartão magnético a porta do quarto 27 não se abriu. Alguma coisa barrava o deslocamento. Nolan tentou empurrar, mas o metal não se moveu. Chamou outro enfermeiro. Os dois juntos arredaram a porta e ao entrar perceberam que todas as coisas que havia no quarto estavam formando uma espécie de barreira contra a porta metálica.
Ao contrário dos outros quartos, este estava escuro, as lâmpadas provavelmente estavam queimadas, pensou Nolan. Assim que seus olhos se habituaram a penumbra, notou um homem encolhido no canto. Suas roupas estavam rasgadas e a respiração entrecortada.
O outro enfermeiro que acompanhava a cena se aproximou e chamou o senhor por seu código. Nenhuma resposta. Resolve então se aproximar mais um pouco e quando o faz, os dois ouvem uma espécie de grunhido agudo e num instante seguinte um barulho ensurdecedor toma conta do lugar. Nolam corre para buscar outros enfermeiros, mas assim que se move ele vê um par de olhos amarelos brilhantes que o observa na escuridão.
Ele começa a andar para trás, mas no momento seguinte a porta se fecha, trancando-os dentro do quarto. Escuta um grito e som de ossos sendo quebrados. Sente que algo quente espirrou em seu rosto. E depois de algum tempo não escuta barulho algum. A porta então é destravada e Nolan sai do quarto, ele corre e pensa em pedir ajuda.
Pelo caminho ele percebe que outras portas estão entreabertas. Em algumas delas, filetes de sangue escorrem e formam poças pelo corredor. Assim que alcança a saída para a sala dos funcionários percebe que já não havia mais ninguém ali, a não ser ele e aquilo que agora estava solto pelo prédio de quatorze andares.
Os elevadores não funcionavam. Faltava energia no prédio inteiro. Nolan descia as escadas o mais depressa que conseguia enquanto ouvia o barulho do impacto de diversos objetos nas paredes dos andares que continham pacientes.
Não havia percebido que estava segurando a seringa de tranquilizante e assim que desceu outro degrau, suas pernas cambalearam fazendo-o rolar por um pequeno lance de escadas até que suas costas bateram na porta de saída para o andar. Sentiu uma fincada na perna, um líquido viscoso escorreu em gotas por sua calça. A agulha havia entrado e comprimido o êmbolo.
Não notou diferença alguma durante certo tempo, mas com receio de que não conseguisse sair do prédio antes que o efeito passasse, ele decide continuar a descer as escadas. Após alguns degraus, Nolan sente uma náusea muito forte, fosse o que fosse, o conteúdo daquela seringa não era nenhum tranquilizante. Ele cai e escorrega batendo a cabeça. Seu corpo empurra uma porta e agora ele está estendido no que provavelmente era a entrada para um dos andares.
Ele não consegue se erguer, pois algo está dentro de seu corpo e o faz ficar imóvel por alguns minutos. Logo depois, uma dor aguda lhe corta o peito e se espalha pelo resto do corpo. Assim que conseguiu se mexer, Nolan se encolhe no chão frio e pegajoso, parecia haver algum tipo de gosma espalhado pelo piso.
Arrastando-se ele encontra um local para se apoiar. Percebe que se trata de uma bancada, provavelmente a do laboratório do sétimo andar. Toca em alguns frasco e isso faz com que vidros se espatifem no chão. Poucos segundo se passaram até notar que a criatura havia escutado o barulho, pois assim que conseguiu se concentrar, ele percebe algo se movendo pela tubulação de ar.
A criatura vinha rápido demais, pois o som estava ficando próximo. Ele precisava continuar a descer ou acabaria morto como os outros. Tateando pelas paredes e bancadas, Nolan encontra uma espécie de portinha. Empurra e nota alguns furos que permitem a passagem de feixes de luz.
Tenta colocar sua cabeça e depois os ombros. Por ali seria possível passar e provavelmente ir para fora do prédio.
Um ruído chega ao teto do laboratório e Nolan sente que a tubulação está tremendo. De repente ouve um estalido metálico e algo cede do teto do lugar. Provavelmente a criatura já estava se preparando para pular e ataca-lo.
Precisa sair dali o mais depressa possível, mas poderia ser agarrado enquanto tentasse se enfiar na passagem. Algo cai do teto e ele escuta uma espécie de respiração seguida pelo cheiro da criatura. Ela devia estar a uns três metros dele, mas mesmo assim dava para ouvir seus grunhidos roucos e baixos.
Se tentasse sair agora, a criatura o pegaria, mas não podia ficar imóvel para sempre sem fazer ruídos. Sua chance dependia de parar aquele monstro de vez.
Seu corpo ainda queimava por dentro e cada vez mais era possível sentir o efeito daquela substância. Não conseguia pensar direito, mas a única ideia que teve tinha que dar certo. Sem fazer nenhum barulho, ele arrasta a mão pela parede e logo encontra o que precisava.
Agindo rápido ele pega uma caixinha no bolso da calça e quebra a mangueira do gás. A criatura começa a se mover em sua direção. Nolan abre a válvula e se ajoelha, enfia suas pernas na passagem. A criatura corre na direção dele e pula. Nolan senti a respiração próxima ao seu rosto e se encaixa dentro da passagem.
A garra da criatura alcança parte do seu rosto e rasga sua pele. Mais do que depressa, Nolan acende o fósforo e a última visão que tem é a de uma mão enorme com garras afiadas. Se empurra mais para trás e joga o palito. A criatura ainda tenta abrir o metal da passagem com as garras, mas já era tarde. Nolan empurra seu corpo mais para dentro e começa a cair pelo tubo.
Enquanto cai, ele escuta o som de urros e explosões acima dele. Algumas paredes se quebram com a explosão, isso faz o prédio começar a desmoronar. Muito pó entra pelas narinas de Nolan ao sofrer um baque contra o chão, fazendo-o perceber que está no incinerador no porão do prédio, pois o cheiro de cinzas e plástico queimado é inconfundível.
No meio das cinzas ele se arrasta, mas antes que tente escapar, o prédio rui. Ele não sabe quanto tempo passou até que finalmente conseguiu sair do meio de alguns blocos. Por sorte o incinerador havia suportado todo o peso das vigas metálicas. Se esquivou de alguns escombros e conseguiu sair. Ao colocar a cabeça para fora ele viu algumas viaturas pela rua. Um policial que o viu ajudou-o a sair.
Enquanto estava deitado dentro de uma das viaturas, Nolan retira a agulha da seringa quebrada em sua perna. Ao erguer a cabeça, vê um dos polícias que havia lhe feito algumas perguntas conversando com alguém dentro de um carro preto com vidros escuros. Lodo depois, o policial o ajuda a sair da viatura e a porta do carro é aberta.
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Luzes fortes estão sobre seus olhos. As paredes brancas espalham a claridade ainda mais. Seus olhos doem. Escuta a voz de alguém, uma mulher. As luzes são apagadas e ele consegue abrir os olhos. Não se lembra de como veio parar ali e nem o que aconteceu. Lembra-se do seu nome, mas não sabe quem é.
Um objeto plano e liso é posto na sua frente. Nele há a imagem de alguém ou alguma coisa. Um ser que se parece com um homem, mas com a pele amarelada e pálida, longas cinco marcas de cicatriz estendem-se por seu rosto, a boca está torcida e rasgada e os olhos estão dourados. Em seu corpo há várias marcas arroxeadas e os braços são cobertos por ataduras que cobrem uma pele grossa. As mãos possuem garras e são contorcidas. Antes de concluir a ideia de que era ele refletido naquela imagem algo o acerta e seus olhos se fecham novamente.
A visão do espaço onde a nova criatura agora se formava era assustadora. Em seu leito ela está tranquilizada até que os homens continuem a prepará-la. Na grade a frente da cama surge uma placa metálica e um número. 06F, unidade de destruição.

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