quarta-feira, 13 de maio de 2015

Batidas na porta

  
  Pelo que me lembro, começou quando eu tinha 6 anos. Durante uma aula de português, eu tive uma vontade muito forte de ir ao banheiro. Semana passada um menino tinha feito xixi nas calças, dentro da sala, e eu tinha muito medo de passar vergonha dessa forma, então, implorei à professora para que me deixasse ir. Temendo que outro acidente daqueles acontecesse novamente, ela permitiu, sem insistir muito, desde que eu usasse o banheiro das crianças com deficiência, pois era mais perto da sala. Concordei sem pensar muito e me apressei para o tal banheiro; era uma porta vermelha no fim do corredor das salas de aula.
   Abri e entrei, trancando a porta atrás de mim. Tão logo me sentei no vaso, vieram as batidas na porta.
   TOC TOC TOC
   - Abra a porta!
   Eu levei um susto, permaneci sentado e quieto, mas as batidas continuaram, desta vez, mas fortes.
   - Abre logo essa porta! 
   A pessoas parecia com raiva.
   - Vai embora! - gritei.
   Era uma voz de adulto, mas ninguém que eu conhecia, não era um professor.
   - Abra a porta! eu preciso entrar!
   - Espera um pouco! não acabei ainda.
   Houve um breve silencio, e então as batidas vieram ainda mais fortes e o homem voltou a falar, mas desta vez,ele parecia assustado.
  - Abra a porta, deixe-me entrar por favor!
   Não respondi mais. Aquilo já estava ficando muito estranho, as batidas e os gritos ficavam cada vez mais altos, era estranho que ninguém tinha visto ver o que tava acontecendo....
   Eventualmente, minha professora me encontrou. Ela estava furiosa porque eu havia sumido por quase meia hora, e ficou ainda mais brava quando eu não quis abrir a porta para ela. Eu não me mexia, não falava nada. Ela voltou minutos depois, com a chave extra que havia na sala dos professores e me tirou de lá de dentro.
   Tomei uma suspensão de uma semana. Ninguém levou muito a sério minha história.
   Algumas semanas depois desse acontecimento, eu estava celebrando meu aniversário de 7 anos e minha família estava fazendo um churrasco pra comemoram. Montamos tudo nos fundo de casa, mas na hora de acender o fogo, o isqueiro não funcionava. Meu pai me pediu para ir buscar uma caixa de fósforos na dispensa.
   A dispensa ficava na cozinha, um pequeno quarto com coisas extras. Acendi a luz e busquei os fósforos com os olhos. Entrei no quarto e fechei a porta à minhas costas. quando já estava com a caixa na mão, ouvi batidas na porta:
   TOC TOC TOC
   - Abre essa porta, precisamos entrar!
   Não era a mesma voz que eu ouvi antes, essa era mais grave e mais irritada. E ele tiha dito "nós"?
   Fiquei imóvel.
   - Seu merda! vou arrancar seus dentes! abre essa porra dessa porta! 
   Então eu ouvi o que parecia ser barulho de vidro quebrando, e o soco na porta... e então, silêncio...
   O mais estranho disso tudo é que eu não me lembro de ter trancado a porta.
   Fiquei ali sem saber o que fazer, quando a porta abre de repente; era meu irmão. Ele brincou comigo, perguntando se eu tinha me perdido na dispensa. Voltei pra minha festa, mas fiquei o resto do dia quieto. Como você deve imaginar, eu não comentei isso com ninguém.
   Ao longo da minha vida, isso aconteceu mais vezes; houveram muitas vozes, algumas até mesmo se repetiam. Mais ou menos uma vez por mês, eu as ouvia, pedindo ou implorando para que eu abrisse a porta. Nunca diziam o porque, apenas pediam com muita raiva ou medo. Quase sempre, era quando eu acabava de fechar a porta à minhas costas, como fantasmas ou entidades me seguindo. Nunca contem pra ninguém, mas pra ser sincero, acabei me acostumando com isso. Na hora, eu dava um pulo, e a maioria das vozes me dava medo, mas nem todas eram assustadoras, mas eu percebi que eu estaria seguro, enquanto não abrisse a porta.
   E então, vinte anos se foram, com isso acontecendo de vez em quando. Saí de casa pra morar sozinho, fiz amigos e até uma namorada. Meus amigos me achavam estranho pelo meu inexplicável receio de portas, mas no geral, não me incomodavam com isso.
   A três meses atrás, eu acordei no meio da noite, assustado. Não tive nenhum tipo de pesadelo, mas logo que abri os olhos, vieram batidas na porta; não batidas normais, essas eram muito rápidas e desesperadas.
   - Quem vem lá? - perguntei desdenhando.
   - Por favor, ajude-nos!
   Achei estranho; normalmente as vozes são agressivas, mas essa parecia sincera e calma. Havia um tom de dor nela também, me fez pensar num pai que está tentando cuidar e proteger da família. 
   Cobri a cabeça com o lençol como sempre faço, mas dessa vez me deu um aperto no coração; eu nunca antes tinha me sentido tentado à abrir a porta, pra mim, naquela hora, parecia ser a coisa certa a fazer. Quando eu era criança, qualquer batida e voz que eu ouvia parecia ser assustadora, mas agora, eu passei a ponderar algumas delas, porém, enquanto eu me decidia sobre abrir ou não a porta, as batidas sumiram.
   Dois dias depois, eu estava na minha loja de conveniências favorita, tinha ido comprar cervejas e jornal, quando um vento soprou e fechou a porta. Quase que na mesma hora, uma voz de mulher pôde ser ouvida, gritando em puro desespero. Eu me virei para olhar pelo vidro da porta, mas tinha tantos cartazes grudados nela que eu não pude ver quem estava lá fora, apenas consegui ver que se tratava de uma mulher, batendo suas mãos no vidro. Ela não pedia pra entrar, apenas gritava e tentava forçar a entrada. Fui até a porta lentamente, agarrei a ponta do cartaz que me impedia de olhar lá fora. Quando comecei a puxa-lo, ouvi a voz do dono da loja me chamando:
   - Ei! não é pra tirar isso! você ta doido?
   Ele veio até mim e abriu a porta mais uma vez, me olhando como se eu fosse de fato maluco. Logo que ele abriu, não ouvi mais grito algum, tão pouco vi a mulher lá fora. 
   Houveram alguns incidentes mais, de lá pra cá, mas nada de muito diferente, até, noite passada.
   A porta do meu quarto bateu com força, e imediatamente, vieram as batidas; eram fracas, como alguém já sem forças, e ao invés de gritos, ouvi apenas um choro. Parecia ser uma moça, ou garota; batia fracamente na porta e chorava se dizer nada. Dei um pulo da cadeira.
   Agora minha porta estava se fechando sozinha? o que quer que seja isso que vem me acontecendo, parece estar cada vez mais e mais interessado em me incomodar;  que antes levava meses, passou a acontecer quase todos os dias, e não bastando isso, essa "coisa" agora passou a fechar as portas de onde eu estava, só pra me assustar.
   Foi então que meu celular começou a tocar. Era um numero desconhecido, mas atendi assim mesmo, apenas para ouvir mais choros; estes porém, eram gritos de dor que não diziam nada, apenas gritavam em choro. Desliguei, mas o celular voltou a tocar; me vi forçado a tirar a bateria dele. 
   Foi então que eu ouvi uma batida na minha janela; era como uma pessoa de unhas compridas, batendo as unhas no vidro. A cortina estava fechada, mas pude ver uma silhueta lá fora. Não parecia querer entrar, apenas, me incomodar. sentei no chão no quarto, esperando isso acabar, mas algo em mim dizia que não iria, que essa noite seria a ultima. E assim fiquei, por três horas: as batidas e choros na porta, e a pessoa na janela. Estou encarando a possibilidade de morte então, estou escrevendo essa história no meu notebook, e mandando pela internet, no caso de algo acontecer mesmo.  
   O que eles querem? o que os faz me perseguir tanto? talvez eu devesse abrir a porta, deixar aquilo entrar, sei lá! me sinto perdendo a sanidade! Apertei enter e enviei o relato para toda minha lista de amigos. 
   Fiquei de pé, eu decidi que iria abrir a porta, mas logo que me aproximei dela, o choro parou, e as batidas também. Eu precisava de ar, e de um lugar aberto e sem portas, talvez dar uma volta na rua.
   Fui até a porta do quarto, mas quando tentai abri-la... trancada. Olhei pelo buraco da porta e vi uma sala que não era o corredor da minha casa: parecia ser uma sala de aula ou biblioteca, cheia e cadeiras e mesas vazias, exceto por uma, com um garoto sentado de costas pra mim, lendo um livro. 
   Bati na porta:
   - Ei garoto, me deixe sair, ok?
   Ele olhou por cima do ombro, na minha direção.
   - Sim, aqui. Abra essa porta por favor.
   - Não posso, eu to na detenção, não posso falar com ninguém, vai embora.
   Ele virou-se para o livro que estava lendo, e eu comecei a me sentir que o inverso estava acontecendo comigo. Desta vez, EU era o barulho na porta, a pessoa que batia e pedia para abrir.
   Um arrepio subiu pelo meu corpo quando eu ouvi barulho e vidro quebrando, era minha janela. Um punho tinha atravessado ela. 
   Voltei-me para porta e bati nela com mais força.
   - Ei! abre logo! eu preciso entrar! abre essa porta!
   O garoto apenas disse: "vá embora".

   A coisa lá fora abriu a cortina com as mãos e colocou seu rosto pra dentro:
   Seu rosto me fez congelar de pavor; era todo branco, não tinha pálpebras nem lábios; olhos arregalados e dentes à mostra, como um sorriso sádico e cruel.
   Ele entrava lentamente pela janela, olhando fixamente pra mim.
   - Abre logo essa porta moleque! abre agora!
   Mas ele ignorou.
  A coisa já estava totalmente dentro do quarto, olhando para mim.

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