Era a
segunda vez que os pesadelos não o deixavam dormir. Primeiro, via-se
correndo em um lugar escuro, frio e úmido. Depois, sentia que mãos
o alcançavam e marcavam todo o seu corpo com unhas enormes que lhe
rasgavam a pele. Podia sentir que algo o estava estraçalhando tanto
por fora como por dentro.
Sua pele queimava e não havia como pedir ajuda, aliás, não havia
mais ninguém no sonho, a não ser ele e a criatura.
Pingando
suor, retirou sua camisa, engoliu três comprimidos e secou até a
última gota de um copo com água. Suas mãos ainda tremiam e a
respiração estava ofegante.
Já mais
calmo resolveu fazer algo que o mantivesse acordado pelas duas horas
que lhe faltavam para ir trabalhar. Ligou a televisão e se deparou
com um filme que o prenderia até que anoitecesse.
As oito
da noite Nolan está preparando mais uma dose do tranquilizante. Em
sua bandeja há duas seringas prontas para uso, alguns comprimidos e
copos com água. As paredes brancas da sala são substituídas por um
longo corredor amarelado no qual uma fileira de portas enumeradas se
estende. O lugar cheira a remédios e desinfetante. Ele está ali a
apenas dois meses e era responsável pelos pacientes do décimo
segundo andar. Antes de prosseguir pelo corredor ele apaga o cigarro
e coloca a caixa de fósforos no bolso da calça.
Sons de
grunhidos são emitidos por de trás de cada uma das portas.
O número
um, pintado com uma tinta escura, aparece sob a visão de Nolan. Ele
entra. Sua primeira paciente do dia, uma senhora, código 19B. Está
aqui a mais de sete anos, foi usada muitas vezes como critério
padrão de avaliação, pois pelo que ele sabia, ela foi uma das
primeiras em quem o tal tratamento surtiu algum efeito.
Nolan
encontra a senhora dormindo em sua maca, mas era hora dos
medicamentos, ela precisaria acordar. Chamou um pouco baixo, mas
vendo de que nada adiantava ele a tocou na pele amarelada do seu
braço. Ela grunhiu e se mexeu alguns centímetros em sua maca, não
muito, pois faixas estava atadas em seus braços. Já com os
comprimidos preparados, ele os coloca na boca da mulher e ergue o
copo com água até os seus lábios.
E por
todas as portas Nolan entrou e saiu esvaziando sua bandeja. Restava
apenas um quarto, o 27. Existiam mais três quartos após o vinte e
sete, mas estavam vazios. Não se sabia exatamente o que havia
acontecido com os ocupantes dos quartos e comentários não eram
autorizados.
Ao passar
o cartão magnético a porta do quarto 27 não se abriu. Alguma coisa
barrava o deslocamento. Nolan tentou empurrar, mas o metal não se
moveu. Chamou outro enfermeiro. Os dois juntos arredaram a porta e ao
entrar perceberam que todas as coisas que havia no quarto estavam
formando uma espécie de barreira contra a porta metálica.
Ao
contrário dos outros quartos, este estava escuro, as lâmpadas
provavelmente estavam queimadas, pensou Nolan. Assim que seus olhos
se habituaram a penumbra, notou um homem encolhido no canto. Suas
roupas estavam rasgadas e a respiração entrecortada.
O outro
enfermeiro que acompanhava a cena se aproximou e chamou o senhor por
seu código. Nenhuma resposta. Resolve então se aproximar mais um
pouco e quando o faz, os dois ouvem uma espécie de grunhido agudo e
num instante seguinte um barulho ensurdecedor toma conta do lugar.
Nolam corre para buscar outros enfermeiros, mas assim que se move ele
vê um par de olhos amarelos brilhantes que o observa na escuridão.
Ele
começa a andar para trás, mas no momento seguinte a porta se fecha,
trancando-os dentro do quarto. Escuta um grito e som de ossos sendo
quebrados. Sente que algo quente espirrou em seu rosto. E depois de
algum tempo não escuta barulho algum. A porta então é destravada e
Nolan sai do quarto, ele corre e pensa em pedir ajuda.
Pelo
caminho ele percebe que outras portas estão entreabertas. Em algumas
delas, filetes de sangue escorrem e formam poças pelo corredor.
Assim que alcança a saída para a sala dos funcionários percebe que
já não havia mais ninguém ali, a não ser ele e aquilo que agora
estava solto pelo prédio de quatorze andares.
Os
elevadores não funcionavam. Faltava energia no prédio inteiro.
Nolan descia as escadas o mais depressa que conseguia enquanto ouvia
o barulho do impacto de diversos objetos nas paredes dos andares que
continham pacientes.
Não
havia percebido que estava segurando a seringa de tranquilizante e
assim que desceu outro degrau, suas pernas cambalearam fazendo-o
rolar por um pequeno lance de escadas até que suas costas bateram na
porta de saída para o andar. Sentiu uma fincada na perna, um líquido
viscoso escorreu em gotas por sua calça. A agulha havia entrado e
comprimido o êmbolo.
Não
notou diferença alguma durante certo tempo, mas com receio de que
não conseguisse sair do prédio antes que o efeito passasse, ele
decide continuar a descer as escadas. Após alguns degraus, Nolan
sente uma náusea muito forte, fosse o que fosse, o conteúdo daquela
seringa não era nenhum tranquilizante. Ele cai e escorrega batendo a
cabeça. Seu corpo empurra uma porta e agora ele está estendido no
que provavelmente era a entrada para um dos andares.
Ele não
consegue se erguer, pois algo está dentro de seu corpo e o faz ficar
imóvel por alguns minutos. Logo depois, uma dor aguda lhe corta o
peito e se espalha pelo resto do corpo. Assim que conseguiu se mexer,
Nolan se encolhe no chão frio e pegajoso, parecia haver algum tipo
de gosma espalhado pelo piso.
Arrastando-se
ele encontra um local para se apoiar. Percebe que se trata de uma
bancada, provavelmente a do laboratório do sétimo andar. Toca em
alguns frasco e isso faz com que vidros se espatifem no chão. Poucos
segundo se passaram até notar que a criatura havia escutado o
barulho, pois assim que conseguiu se concentrar, ele percebe algo se
movendo pela tubulação de ar.
A
criatura vinha rápido demais, pois o som estava ficando próximo.
Ele precisava continuar a descer ou acabaria morto como os outros.
Tateando pelas paredes e bancadas, Nolan encontra uma espécie de
portinha. Empurra e nota alguns furos que permitem a passagem de
feixes de luz.
Tenta
colocar sua cabeça e depois os ombros. Por ali seria possível
passar e provavelmente ir para fora do prédio.
Um ruído
chega ao teto do laboratório e Nolan sente que a tubulação está
tremendo. De repente ouve um estalido metálico e algo cede do teto
do lugar. Provavelmente a criatura já estava se preparando para
pular e ataca-lo.
Precisa
sair dali o mais depressa possível, mas poderia ser agarrado
enquanto tentasse se enfiar na passagem. Algo cai do teto e ele
escuta uma espécie de respiração seguida pelo cheiro da criatura.
Ela devia estar a uns três metros dele, mas mesmo assim dava para
ouvir seus grunhidos roucos e baixos.
Se
tentasse sair agora, a criatura o pegaria, mas não podia ficar
imóvel para sempre sem fazer ruídos. Sua chance dependia de parar
aquele monstro de vez.
Seu corpo
ainda queimava por dentro e cada vez mais era possível sentir o
efeito daquela substância. Não conseguia pensar direito, mas a
única ideia que teve tinha que dar certo. Sem fazer nenhum barulho,
ele arrasta a mão pela parede e logo encontra o que precisava.
Agindo
rápido ele pega uma caixinha no bolso da calça e quebra a mangueira
do gás. A criatura começa a se mover em sua direção. Nolan abre a
válvula e se ajoelha, enfia suas pernas na passagem. A criatura
corre na direção dele e pula. Nolan senti a respiração próxima
ao seu rosto e se encaixa dentro da passagem.
A garra
da criatura alcança parte do seu rosto e rasga sua pele. Mais do que
depressa, Nolan acende o fósforo e a última visão que tem é a de
uma mão enorme com garras afiadas. Se empurra mais para trás e joga
o palito. A criatura ainda tenta abrir o metal da passagem com as
garras, mas já era tarde. Nolan empurra seu corpo mais para dentro e
começa a cair pelo tubo.
Enquanto
cai, ele escuta o som de urros e explosões acima dele. Algumas
paredes se quebram com a explosão, isso faz o prédio começar a
desmoronar. Muito pó entra pelas narinas de Nolan ao sofrer um baque
contra o chão, fazendo-o perceber que está no incinerador no porão
do prédio, pois o cheiro de cinzas e plástico queimado é
inconfundível.
No meio
das cinzas ele se arrasta, mas antes que tente escapar, o prédio
rui. Ele não sabe quanto tempo passou até que finalmente conseguiu
sair do meio de alguns blocos. Por sorte o incinerador havia
suportado todo o peso das vigas metálicas. Se esquivou de alguns
escombros e conseguiu sair. Ao colocar a cabeça para fora ele viu
algumas viaturas pela rua. Um policial que o viu ajudou-o a sair.
Enquanto
estava deitado dentro de uma das viaturas, Nolan retira a agulha da
seringa quebrada em sua perna. Ao erguer a cabeça, vê um dos
polícias que havia lhe feito algumas perguntas conversando com
alguém dentro de um carro preto com vidros escuros. Lodo depois, o
policial o ajuda a sair da viatura e a porta do carro é aberta.
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Luzes
fortes estão sobre seus olhos. As paredes brancas espalham a
claridade ainda mais. Seus olhos doem. Escuta a voz de alguém, uma
mulher. As luzes são apagadas e ele consegue abrir os olhos. Não se
lembra de como veio parar ali e nem o que aconteceu. Lembra-se do seu
nome, mas não sabe quem é.
Um objeto
plano e liso é posto na sua frente. Nele há a imagem de alguém ou
alguma coisa. Um ser que se parece com um homem, mas com a pele
amarelada e pálida, longas cinco marcas de cicatriz estendem-se por
seu rosto, a boca está torcida e rasgada e os olhos estão dourados.
Em seu corpo há várias marcas arroxeadas e os braços são cobertos
por ataduras que cobrem uma pele grossa. As mãos possuem garras e
são contorcidas. Antes de concluir a ideia de que era ele refletido
naquela imagem algo o acerta e seus olhos se fecham novamente.
A visão
do espaço onde a nova criatura agora se formava era assustadora. Em
seu leito ela está tranquilizada até que os homens continuem a
prepará-la. Na grade a frente da cama surge uma placa metálica e um
número. 06F, unidade de destruição.
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