segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Seja bom Jonny



   Não importa em que época do tempo você se encontre, sempre haverá problemas humanos, sejam causados por eles ou não. Assassinatos, suicídios, brigas, guerras, doenças... No ano de 2020 não é diferente, quer dizer, não tanto. A tecnologia ajudou as pessoas a melhorarem um pouco mais suas vidas, enquanto os líderes mundias vestem uma máscara de paz, esperando pelo momento certo para atacar. Não é culpa deles, não mesmo, afinal, que culpa tem o presidente dos Estados Unidos se outros países menores se recusam a seguir suas ordens? Nenhuma, absolutamente nenhuma.
    Os problemas ainda afetam as pessoas de todas as maneiras de antes. Veja eu por exemplo; meus pais estão se prestes a se divorciar. Sei que isso pode te parecer bobo e infantil, mas me afeta de um modo terrível. De uns dias para cá fiquei ruim, adoeci. O médico disse que não encontrava nada de errado, no entanto eu me sinto cada vez mais fraco e desanimado. Não saí mais de casa e acabei perdendo o contato com meus amigos.      
   Eles me ligavam às vezes, mas aos poucos foram parando de ligar. Não, eles não desistiram de mim, eu quem desistiu deles primeiro.
    Quando tenho ânimo para alguma coisa, gosto de ler. Peguei raiva da televisão e do vídeo game; seu conteúdo apenas mostra uma realidade que eu sei que não existe, possibilidades que não estão ao meu alcance.
    Eu tinha uma namorada também, Pâmela. Ela era linda e muito gentil. Terminamos. Na verdade eu não sei quem terminou com quem, mas não estamos mais juntos. Quando minha depressão começou a me derrubar ela sempre estava aqui comigo, tentando me animar. Eu a via tentar de tudo e quase se desesperar perante minha situação. Ela sentia-se muito triste por não conseguir me ajudar em nada. Um dia me ligou, dizendo que era uma inútil, que não podia fazer nada por mim. Discutimos um pouco e desligamos... Ela não me ligou mais e pelo que conheço dela, deve ter esperado eu ligar, mas não liguei. Ela merece mais do que um deprimido que não reconhece o esforço dela.

    Numa noite como muitas outras, meus pais começaram a brigar feio. Eu não posso exigir que eles se deem bem, mas também não sou obrigado e ficar aqui ouvindo isso. Fugi. Abri a janela do meu quarto e pulei para fora, correndo para a rua. Eu não sabia pra onde eu iria, nem o que faria, só quis correr pra longe sem me importar com quando voltar.
Quando dei por mim, estava perto do porto da cidade. Sorri olhando os navios parados, queria vê-los mais de perto. Adentrei com cuidado, teria problemas se fosse pego ali a esta hora... Mas por que a preocupação? Não tem nada pra mim em casa.
    Andei pelo lugar, olhando o navio enorme que estava na minha frente. Tinha muita vontade de entrar nele para que me levasse embora daqui. Foi quando eu ouvi um barulho; virei-me assustado, para ver de onde vinha.
Num canto escuro, vi o que parecia ser uma pessoa, sentada no chão e encolhida. Tentei falar com ele, mas não respondeu, então me aproximei. Quando estava perto, vi que ele se levantou, me olhando assustado. Era um garoto, acho que da minha idade e um pouco mais baixo que eu. “O que faz aqui”, perguntei a ele.

-   Você veio para me levar de volta? - ele perguntou, ignorando a minha pergunta.


Levar pra onde? Pensei. Ele tava fugindo de alguém?
-   Não eu não vou te levar pra lugar nenhum, só vim ver os navios.
Ele pareceu um tanto aliviado. Aproximei-me mais.
-   Você vive nessa cidade? - ele tornou a falar, recuando um passo. 
-   Sim. Isso é um saco, detesto isso aqui, tenho vontade de pegar um navio e sumir, ou quem sabe afundar no mar.
-   Não diga isso! Você tem uma vida, não pode largar tudo assim.
-   Muito engraçado ouvir isso de um garoto que está escondido, fugindo de alguém.
    Foi assim que eu o conheci. Seu nome era E522 ,era um protótipo de androide de guerra feito pelo governo, pelo menos foi o que ele disse. Fora construído por uma empresa de armas para ser vendido para o exercito. A aparência de criança era para facilitar infiltrações e não levantar suspeitas, mas ele não queria ser uma arma, por isso fugiu. Fiquei de boca aberta ouvindo sua história. Era fantástico demais para eu acreditar; eu o olhava e não parecia ser um androide. Tinha cabelo, pele e olhos iguais ao de gente. No ano 2020 possuímos alguns androides empregados, mas todos eles possuem aparência óbvia de máquina. Claro que eu pedi para ele me provar, e ele fez. Levantou os cabelos e me mostrou uns buracos como de tomadas que existem na sua nuca. Disse-me que eram para conectar a máquinas de guerra.
    Só que não faz sentido; uma máquina que tem sentimentos? E pior, está renunciando o que está em seu programa? Era estranho, mas admito que estava gostando dessa bizarrice. Decidi aceitar a história, só pra manter a conversa.
Sentamos-nos para olhar os navios, enquanto ele continuava falando. Uma hora ele parou de falar e quis saber de mim. Meu nome, quem eu era, onde morava e por que estava ali a uma hora dessas. Contei-lhe tudo e ele ouviu em silêncio, sorrindo.

-   Que legal João – ele me disse – você tem uma família e amigos!
-   Eu tinha. Tô perdendo tudo.
-   Então faça algo. Se as coisas não estão dando certo, você não deve desistir delas, só tentar fazer de outro jeito.
-   É. Valeu, Vou lembrar disso.
    Perguntei-lhe para onde pretendia ir e ele não falou nada por um tempo. O silêncio tomou conta de nós enquanto olhávamos as embarcações.
-   Ei João – ele me chamou timidamente 
-   Me chame de Jonny. Meus amigos me chamavam assim.
-   Ok, Jonny. Você por um acaso não teria um pouco de plutônio aí com você, teria?
-   Olha robôzinho, se eu tivesse plutônio aqui no meu bolso, estaria sem perna, ou pior.
-   Eu imaginei – ele sorriu pra mim - Não se encontra isso para vender por ai não é?
    Balancei a cabeça negativamente sem entender o que se passava, foi então que ele respondeu a pergunta que eu fiz a cinco minutos atrás: Disse que não iria para lugar nenhum depois dali. Plutônio era a sua fonte de energia, era o que o mantinha funcionando. Como não tinha mais nenhum, logo estaria completamente desligado. Disse-me também que ainda tinha 3 horas de energia sobrando.
Plutônio? Então esse cara é nuclear? Pensei espantado.
-   Eu só lamento não poder ver mais do mundo, queria muito poder ver mais do que este porto. Queria poder viajar ter amigos, ter um apelido, assim como você. Mas não posso, nem que tivesse plutônio eu poderia, sou só uma máquina. 
-   Não tem como arrumar-te uma outra fonte de energia?
-   Você sabe onde e quando vai cair um raio? - ele pergunta rindo.
-   Claro que não, Por quê?
-   Preciso de algo que possa gerar uma reação nuclear de 1,21 gigawatz de energia. Pode ser plutônio, ou pode ser um raio.

É... Realmente não dá para eu fazer nada por ele. Fiquei triste, muito triste. Ele me olhou e pediu para que eu não ficasse assim, que ele não era uma pessoa de verdade.
-   Preocupe-se com as pessoas de verdade Jonny, ame-as.
    Fiquei com ele até o amanhecer. Logo que o sol começou a raiar, notei que ele estava quase parando de funcionar, era como um brinquedo quando a pilha ta fraca.
-   Logo eu vou Jonny, queria te pedir uma coisa. Poderia jogar meu corpo no mar? Eu não posso ser encontrado. Preciso afundar e me tornar esquecido.
-   Eu não vou esquecer de você.
-   Obrigado! Obrigado mesmo. Você fez valer a pena ter sido construído.
Tomei-o nos braços e caminhei para perto da água. Era incrível o quanto ele era leve, imaginei que seria muito mais pesado. Olhei seu rosto, e seus olhos estavam quase se fechando, quando ele me disse uma ultima coisa:
-   Jonny, seja bom.
    Os olhos fecharam, o corpo ficou mole. Os 1,21 gigawatz acabaram, e ele se foi. Sacudi seu corpo por um tempo, esperando que fosse apenas uma piada, mas não era. Ele não acordou.
Como prometido, joguei-o na água do mar e fiquei olhando seu corpo sumir na escuridão da água.
    Voltei para casa, pensando no robô. Ele estava certo; eu sou um ser vivo eu preciso dos outros e eles de mim. Sinto-me um completo idiota; um robô sai do nada e me ensina a viver, me mostra que a vida pode ter algo bom. Vou mudar meu jeito de pensar: não vou me esconder dos meus problemas. Vou tentar fazer tudo de um modo diferente.
Ele foi um robô, mas conseguiu me mostrar o valor da vida humana. Se ele,um robô, uma máquina de guerra, aprendeu o valor da vida humana, talvez nós também possamos aprender.
   by Kennen


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