domingo, 2 de março de 2014

Kaledrina - segunda parte


Primeira parte

No dia seguinte eu transferi minha pesquisa para esta sala; as peças do flame pack assim como todas as ferramentas e aparelhos que iria precisar, eu não queria sair de perto dela. Descobri que eu podia abrir os olhos dela e deixá-los abertos; eram azuis e lindos, lhe caiam bem. Espanei todo o pó do lugar para deixando-o mais de acordo com uma dama e até cobri parte do chão com um tapete azul que encontrei nos fundos da minha casa. Eu estava feliz. Minha pesquisa fluía, eu trabalhava com muita empolgação agora, mas meus motivos eram diferentes... Eu não estava interessado em chamar a atenção do meu, eu apenas queria estar ali. No entanto, as vezes enquanto eu trabalhava, eu tinha a impressão de que Kale estava olhando na minha direção, mas sempre que eu a olhava, seu rosto estava onde eu tinha deixado, na posição que eu a deixava: sentada com as pernas juntas e mãos nos joelhos.
Um dia, eu trouxe uma vitrola e uns discos da Peggy Lee para ouvir com ela. “Espero que goste do som da Peggy, Kale, ela sempre me inspira” Sim, eu a tratava como uma pessoa de verdade. Eu sabia que isso não era normal; conversava com ela normalmente, sabendo que ela não responderia, mas na minha mente, eu imaginava as respostas dela e às vezes, eu até ria sozinho disso tudo. Tinha dado a ela status de ser humano, pior: eu não tinha vontade de interagir com ninguém mais a não ser ela.
Liguei a vitrola com o disco da Peggy.
“Sabe, eu sou um péssimo dançarino, mas mesmo assim, concede-me esta dança?” Eu sempre quis fazer essa pergunta, mas sempre fui rejeitado antes de ter a chance de terminá-la. Kaledrina não em rejeitou. Ela continuou com seu olhar estático e sorriso misterioso. Ela não disse não, não se afastou e não atirou bebida no meu rosto.
Tomei minha garota nos braços e brinquei de dançar com ela. Suas pernas não eram firmes no chão, o que deixava a cena ainda mais patética. Quer dizer, para qualquer um que visse, seria patética, mas não para mim: eu tropeçava nos pés moles dela, mas não tirava os olhos dos seus.
Tropecei. Caímos no tapete, Cai sobre ela. “ Ái! Desculpa amor!” Silenciei-me. Eu tinha mesmo chamado ela de amor? As coisas estavam indo longe demais. Ela era uma boneca, só isso, e não uma pessoa. Ela não era capaz de me retribuir. Nunca seria. Não parava de pensar nisso, mas também, não saia de cima dela. Meu nariz estava próximo ao dela, os cabelos, espalhados no chão e a boca semi-aberta; parecia que estava esperando que eu dissesse algo, ou fizesse algo.
“Você é linda, Kale”. Eu a amava. A amava e me odiava por amá-la. Não era certo. Lágrimas escorriam dos meus olhos, pensamentos de amor por ela e ódio por mim, me bombardeavam furiosamente. Foi quando, eu senti mão dela sobre a minha. Engraçado, eu não tinha notado que ela caiu com a mão encima da minha até aquele momento. Seu olhar sereno em mim e sua mão me consolando... Senti-me acolhido e protegido. Amado. Em minha mente, ela me dizia “você sabe que não precisa ser forte comigo”. Encostei a cabeça em seus seios e a abracei. Naquele momento, tudo que queria era ficar ali, ouvido a Peggy e abraçado à Kaledrina, e que o mundo fosse para o inferno. Adormeci.
Na manhã seguinte, acordei recebendo chutes e ouvido a risada irritante de Manfred. “ Uther! Acorda Uther! O que é isso seu panaca?” gritou ele. Xinguei-o e o mandei sair da minha sala, mas Manfred não é do tipo que faz o que outros lhe pedem. “Mas que merda é essa ai no chão? Sou namorada? Só assim para você dormir com uma mulher, se ela for uma porra de uma boneca”. Com muito ódio, levantei e fui para cima dele, mas infelizmente, meu irmão é mais forte que eu, sempre foi. E sabia brigar muito bem. Ele em acertou alguns socos no rosto e me mandou pro chão. Riu, me chamou e imprestável, o de sempre.
Não bastando, Manfred ergueu o vestido de Kale, zombando de mim. Ele retirou a calcinha dela e jogou sobre mim. “ Olha só Uther! Ela tem xaninha, você sabia? Ou será que nem da boneca você consegue arrancar a calcinha?” Ele abriu as pernas dela, numa posição humilhante e enfiou os dedos dentro dela. “Apertadinha!”
Nunca senti tanto ódio por alguém na minha vida. Eu queimava de raiva, queria muito que Manfred morresse. Gritei, fazendo força para ficar de pé. “Eu vou te matar!” ameacei. Ele não gostou; ninguém o ameaça. Largou Kale e veio até mim. Me agarrou pelo colarinho e voltou a me bater, com muita raiva. Quando sua mão começou a doer, ele me largou. “Isso não fica assim Uther. Vamos ver o que vai ser da sua boneca. Vou me certificar de que ela vire sucata rapidinho, ou ainda melhor, que vire brinquedinho de mendigo, afinal, mendigos também precisam de amor!”
Saiu da sala rindo. Estava tudo acabado. Manfred iria conseguir o que queria, ele sempre consegue. Eu perderia Kale. Coberto de sangue, me arrastei ate ela; estava caída de pernas abertas. Seu rostinho estava virado para minha direção. Segurei a mãozinha dela, implorando perdão por deixar isso acontecer. Estava muito ferido, mas precisava mudá-la de lugar até pensar em algo. Retirei o jaleco sujo de sangue e a joguei nas minhas costas, passando seus braços pelo meu pescoço. Ela era mais pesada do que parecia e o fato de eu estar surrado não ajudava; minhas pernas tremiam com o esforço.
Por um milagre, eu a levei até a enfermaria; tinha uma salinha lá, uma sala de tranqueiras que era pouco usada, seria um bom lugar temporário para ela. Coloquei-a lá dentro e fechei a portinha. Estava exausto e muito machucado. Cai na cama ali da enfermaria mesmo e dormi...
Acordei muito tempo depois, com a voz de um homem me chamando. Era um dos assistentes do meu pai. “Senhor Uther, venho trazendo péssimas noticiais. Seu irmão Manfred sofreu um acidente, senhor.” Um acidente? O homem continuou: “ Ele caiu da escadaria do prédio, quebrou o pescoço e... bem, ele morreu,senhor.”
Manfred escorregou e morreu? Arregalei os olhos surpreso. Foi então que reparei que meu rosto estava todo cheio de curativos, cuidadosamente aplicados. O assistente pediu licença e me deixou. Sentei na cama. Meu irmão estava morto, convenientemente morto, quando eu mais precisava que ele ficasse quieto. E minhas feridas... Num movimento rápido, abri a portinha secreta para procurar por Kale. Eu não esperava vê-la, mas, lá estava ela... Do jeito que eu a deixei.
Cuidadosamente, eu a levei novamente para a antiga sala, sobre a cadeira que ele sempre ficava. Quando eu estava ajeitando-a para sair, notei algo que me fez arrepiar de medo: a ponta dos dedos dela estavam sujos de sangue. Levei as mãos à meus curativos e mais uma vez olhei seus dedos. Não podia ser verdade.
Cobri-a com o pano preto e apaguei as luzes. Manfred foi cremado aquela noite mesmo. Meu pai não parava de amaldiçoar o céu e a terra pela perda do filho favorito, nem reparou que eu estava ali todo machucado. Naquela noite fui deitar me sentindo péssimo. Eu desejei a morte do meu irmão e ele de fato, morreu no mesmo dia. Mas como ele poderia ter caído da escada? Não é bem o estilo dele. O segurança disse ter visto alguém a mais no andar uns minutos antes. Ele descreveu como uma pessoa esguia que se movia muito rapidamente. Essa pessoa poderia ter empurrado Manfred.
Uma pessoa esguia com movimentos delicados. Tão delicados a ponto de fazer curativos no rosto de uma pessoa adormecida em acordá-la? Levantei da cama. Sai de casa correndo, precisava ir ate o laboratório, precisava ver ela.
Quando cheguei, estava quase morto de tanto correr. Estava também com medo; se ela fosse uma assassina, ela poderia querer me matar agora que sei dela? Descendo as escadas, apanhei um machado de incêndio no caminho...

E agora estou aqui; sobre seu corpo, olhando-a, decidindo se a destruo ou não. E se ela for uma assassina? E se eu estiver criando um monstro? Eu não posso arriscar a vida de outros por um egoísmo meu! Mas eu a amo. Ela não é real, mas a amo. Ela não precisa ser real para ser ideal.
- Kale... me perdoe, meu amor.
Fecho os olhos e levanto o machado. Em um golpe tudo estaria acabado. Picaria o corpo dela e a queimaria com o flame pack e ela nunca mais precisaria machucar ninguém.
Faço força com o machado, mas meu braço não se mexe. Abro os olhos e a vejo com a mão erguida, segurando o cabo do machado. Seus olhos estão olhando-me, mas não com aquela expressão perdida de sempre.
- Meu nome é Kaledrina – ela diz – E eu te amo muito!
Abro a boca assustado. Isso era mesmo real? Estava acontecendo? Tento tirar o machado da mão dela, mas ela me segura com muita força.
Puxa o machado da minha mão e o atira no canto da sala. Afasto-me dela, com medo. Ela levanta-se, ficando sentada, dura como um robô. Seu rosto volta-se para mim. Ela pisca e sorri.
Com a mão direita ela começa a desabotoar o vestido dela.
- Ka-Kale? – estou incrédulo demais, se não fosse a dor no meu coração de tanto correr, eu acharia que estava sonhando.
Kaledrina ergue a mão esquerda, como se estivesse me chamando. Parecia feliz, parecia calma e pacifica... Eu quero muito ir até ela.
Foda-se! Engatinho até ela e seguro sua mão. Ela puxa-me gentilmente para cima dela, me fazendo deitar sobre seu corpo. Leva minha mão até seus seios, por entre os botões abertos. A beijo.
- Eu vou te proteger. Se você for mesmo uma assassina, azar dos outros. Ninguém me tira de você!
Ela abre a boca e solta um gemido curto. Um gemido de prazer. Sua boca de borracha sorri mais uma vez e eu torno a beijá-la.
Minha Kaledrina.


by Kennen

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