No dia
seguinte eu transferi minha pesquisa para esta sala; as peças do
flame pack assim como todas as ferramentas e aparelhos que iria
precisar, eu não queria sair de perto dela. Descobri que eu podia
abrir os olhos dela e deixá-los abertos; eram azuis e lindos, lhe
caiam bem. Espanei todo o pó do lugar para deixando-o mais de acordo
com uma dama e até cobri parte do chão com um tapete azul que
encontrei nos fundos da minha casa. Eu estava feliz. Minha pesquisa
fluía, eu trabalhava com muita empolgação agora, mas meus motivos
eram diferentes... Eu não estava interessado em chamar a atenção
do meu, eu apenas queria estar ali. No entanto, as vezes enquanto eu
trabalhava, eu tinha a impressão de que Kale estava olhando na minha
direção, mas sempre que eu a olhava, seu rosto estava onde eu tinha
deixado, na posição que eu a deixava: sentada com as pernas juntas
e mãos nos joelhos.
Um dia, eu trouxe uma vitrola e uns discos da Peggy Lee para
ouvir com ela. “Espero que goste do som da Peggy, Kale, ela sempre
me inspira” Sim, eu a tratava como uma pessoa de verdade. Eu sabia
que isso não era normal; conversava com ela normalmente, sabendo que
ela não responderia, mas na minha mente, eu imaginava as respostas
dela e às vezes, eu até ria sozinho disso tudo. Tinha dado a ela
status de ser humano, pior: eu não tinha vontade de interagir com
ninguém mais a não ser ela.
Liguei a vitrola com o disco da Peggy.
“Sabe, eu sou um péssimo dançarino, mas mesmo assim, concede-me
esta dança?” Eu sempre quis fazer essa pergunta, mas sempre fui
rejeitado antes de ter a chance de terminá-la. Kaledrina não em
rejeitou. Ela continuou com seu olhar estático e sorriso misterioso.
Ela não disse não, não se afastou e não atirou bebida no meu
rosto.
Tomei minha garota nos braços e brinquei de dançar com ela. Suas
pernas não eram firmes no chão, o que deixava a cena ainda mais
patética. Quer dizer, para qualquer um que visse, seria patética,
mas não para mim: eu tropeçava nos pés moles dela, mas não tirava
os olhos dos seus.
Tropecei.
Caímos no tapete, Cai sobre ela. “ Ái! Desculpa amor!”
Silenciei-me. Eu tinha mesmo chamado ela de amor? As coisas estavam
indo longe demais. Ela era uma boneca, só isso, e não uma pessoa.
Ela não era capaz de me retribuir. Nunca seria. Não parava de
pensar nisso, mas também, não saia de cima dela. Meu nariz estava
próximo ao dela, os cabelos, espalhados no chão e a boca
semi-aberta; parecia que estava esperando que eu dissesse algo, ou
fizesse algo.
“Você
é linda, Kale”. Eu a amava. A amava e me odiava por amá-la. Não
era certo. Lágrimas escorriam dos meus olhos, pensamentos de amor
por ela e ódio por mim, me bombardeavam furiosamente. Foi quando, eu
senti mão dela sobre a minha. Engraçado, eu não tinha notado que
ela caiu com a mão encima da minha até aquele momento. Seu olhar
sereno em mim e sua mão me consolando... Senti-me acolhido e
protegido. Amado. Em minha mente, ela me dizia “você sabe que não
precisa ser forte comigo”. Encostei a cabeça em seus seios e a
abracei. Naquele momento, tudo que queria era ficar ali, ouvido a
Peggy e abraçado à Kaledrina, e que o mundo fosse para o inferno.
Adormeci.
Na manhã
seguinte, acordei recebendo chutes e ouvido a risada irritante de
Manfred. “ Uther! Acorda Uther! O que é isso seu panaca?” gritou
ele. Xinguei-o e o mandei sair da minha sala, mas Manfred não é do
tipo que faz o que outros lhe pedem. “Mas que merda é essa ai no
chão? Sou namorada? Só assim para você dormir com uma mulher, se
ela for uma porra de uma boneca”. Com muito ódio, levantei e fui
para cima dele, mas infelizmente, meu irmão é mais forte que eu,
sempre foi. E sabia brigar muito bem. Ele em acertou alguns socos no
rosto e me mandou pro chão. Riu, me chamou e imprestável, o de
sempre.
Não
bastando, Manfred ergueu o vestido de Kale, zombando de mim. Ele
retirou a calcinha dela e jogou sobre mim. “ Olha só Uther! Ela
tem xaninha, você sabia? Ou será que nem da boneca você consegue
arrancar a calcinha?” Ele abriu as pernas dela, numa posição
humilhante e enfiou os dedos dentro dela. “Apertadinha!”
Nunca
senti tanto ódio por alguém na minha vida. Eu queimava de raiva,
queria muito que Manfred morresse. Gritei, fazendo força para ficar
de pé. “Eu vou te matar!” ameacei. Ele não gostou; ninguém o
ameaça. Largou Kale e veio até mim. Me agarrou pelo colarinho e
voltou a me bater, com muita raiva. Quando sua mão começou a doer,
ele me largou. “Isso não fica assim Uther. Vamos ver o que vai ser
da sua boneca. Vou me certificar de que ela vire sucata rapidinho, ou
ainda melhor, que vire brinquedinho de mendigo, afinal, mendigos
também precisam de amor!”
Saiu da
sala rindo. Estava tudo acabado. Manfred iria conseguir o que queria,
ele sempre consegue. Eu perderia Kale. Coberto de sangue, me arrastei
ate ela; estava caída de pernas abertas. Seu rostinho estava virado
para minha direção. Segurei a mãozinha dela, implorando perdão
por deixar isso acontecer. Estava muito ferido, mas precisava mudá-la
de lugar até pensar em algo. Retirei o jaleco sujo de sangue e a
joguei nas minhas costas, passando seus braços pelo meu pescoço.
Ela era mais pesada do que parecia e o fato de eu estar surrado não
ajudava; minhas pernas tremiam com o esforço.
Por um
milagre, eu a levei até a enfermaria; tinha uma salinha lá, uma
sala de tranqueiras que era pouco usada, seria um bom lugar
temporário para ela. Coloquei-a lá dentro e fechei a portinha.
Estava exausto e muito machucado. Cai na cama ali da enfermaria mesmo
e dormi...
Acordei
muito tempo depois, com a voz de um homem me chamando. Era um dos
assistentes do meu pai. “Senhor Uther, venho trazendo péssimas
noticiais. Seu irmão Manfred sofreu um acidente, senhor.” Um
acidente? O homem continuou: “ Ele caiu da escadaria do prédio,
quebrou o pescoço e... bem, ele morreu,senhor.”
Manfred
escorregou e morreu? Arregalei os olhos surpreso. Foi então que
reparei que meu rosto estava todo cheio de curativos, cuidadosamente
aplicados. O assistente pediu licença e me deixou. Sentei na cama.
Meu irmão estava morto, convenientemente morto, quando eu mais
precisava que ele ficasse quieto. E minhas feridas... Num movimento
rápido, abri a portinha secreta para procurar por Kale. Eu não
esperava vê-la, mas, lá estava ela... Do jeito que eu a deixei.
Cuidadosamente,
eu a levei novamente para a antiga sala, sobre a cadeira que ele
sempre ficava. Quando eu estava ajeitando-a para sair, notei algo que
me fez arrepiar de medo: a ponta dos dedos dela estavam sujos de
sangue. Levei as mãos à meus curativos e mais uma vez olhei seus
dedos. Não podia ser verdade.
Cobri-a
com o pano preto e apaguei as luzes. Manfred foi cremado aquela noite
mesmo. Meu pai não parava de amaldiçoar o céu e a terra pela perda
do filho favorito, nem reparou que eu estava ali todo machucado.
Naquela noite fui deitar me sentindo péssimo. Eu desejei a morte do
meu irmão e ele de fato, morreu no mesmo dia. Mas como ele poderia
ter caído da escada? Não é bem o estilo dele. O segurança disse
ter visto alguém a mais no andar uns minutos antes. Ele descreveu
como uma pessoa esguia que se movia muito rapidamente. Essa pessoa
poderia ter empurrado Manfred.
Uma
pessoa esguia com movimentos delicados. Tão delicados a ponto de
fazer curativos no rosto de uma pessoa adormecida em acordá-la?
Levantei da cama. Sai de casa correndo, precisava ir ate o
laboratório, precisava ver ela.
Quando
cheguei, estava quase morto de tanto correr. Estava também com medo;
se ela fosse uma assassina, ela poderia querer me matar agora que sei
dela? Descendo as escadas, apanhei um machado de incêndio no
caminho...
E agora
estou aqui; sobre seu corpo, olhando-a, decidindo se a destruo ou
não. E se ela for uma assassina? E se eu estiver criando um monstro?
Eu não posso arriscar a vida de outros por um egoísmo meu! Mas eu a
amo. Ela não é real, mas a amo. Ela não precisa ser real para ser
ideal.
-
Kale... me perdoe, meu amor.
Fecho os
olhos e levanto o machado. Em um golpe tudo estaria acabado. Picaria
o corpo dela e a queimaria com o flame pack e ela nunca mais
precisaria machucar ninguém.
Faço
força com o machado, mas meu braço não se mexe. Abro os olhos e a
vejo com a mão erguida, segurando o cabo do machado. Seus olhos
estão olhando-me, mas não com aquela expressão perdida de sempre.
- Meu
nome é Kaledrina – ela diz – E eu te amo muito!
Abro a
boca assustado. Isso era mesmo real? Estava acontecendo? Tento tirar
o machado da mão dela, mas ela me segura com muita força.
Puxa o
machado da minha mão e o atira no canto da sala. Afasto-me dela, com
medo. Ela levanta-se, ficando sentada, dura como um robô. Seu rosto
volta-se para mim. Ela pisca e sorri.
Com a
mão direita ela começa a desabotoar o vestido dela.
-
Ka-Kale? – estou incrédulo demais, se não fosse a dor no meu
coração de tanto correr, eu acharia que estava sonhando.
Kaledrina
ergue a mão esquerda, como se estivesse me chamando. Parecia feliz,
parecia calma e pacifica... Eu quero muito ir até ela.
Foda-se!
Engatinho até ela e seguro sua mão. Ela puxa-me gentilmente para
cima dela, me fazendo deitar sobre seu corpo. Leva minha mão até
seus seios, por entre os botões abertos. A beijo.
- Eu vou
te proteger. Se você for mesmo uma assassina, azar dos outros.
Ninguém me tira de você!
Ela abre
a boca e solta um gemido curto. Um gemido de prazer. Sua boca de
borracha sorri mais uma vez e eu torno a beijá-la.
Minha
Kaledrina.
by Kennen
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