por: Katarina, a lâmina sombria.
Parte I
Chloé
estremecia ao toque suave da brisa acompanhada pelo calor dos raios
solares. O embalo denso, ao qual seu corpo era submetido aquela
manhã, a fazia implorar que nunca fosse noite.
Afundar
seus dedos na areia e sentir o quente se dissipar em sua pele. Ceder
ao momento insólito que desfrutava aquela semana era melhor do que
riscar a camada do crème brûlée com a unha do mindinho.
E em seus
pequenos prazeres ela se desfazia por completo. Nada a faria se
perturbar aquele momento, nada. Nem mesmo a sensação absurda de que
era observada naquele lugar deserto.
Albert
atravessava a rua Pison, enquanto se adiantava para a doceria na
esquina com a Femmoir. A vitrine expunha os mais belos doces. Belos
ao ponto de não se dar nenhuma mordida, apenas para admirá-los por
mais tempo.
De
encontro ao passeio, ritmou seus passos para a porta, mas foi
desviado de seu destino por um velho senhor que vendia flores na
esquina vizinha. O senhorzinho curvilíneo se aproximou com um
ramalhete em mãos e por uma ditosa quantia lhe vendeu as flores.
O velho
saiu feliz com sua preciosa nota, cuidadosamente conferida e aninhada
ao maço que dispunha em seu bolso. Albert prosseguiu e adentrou a
loja.
Em seu
interior a doceria possuía uma vastidão de doces e enfeites
coloridos. A atendente, uma jovem magricela logo o reparou. A moça
sorria amável enquanto um par de olhos a seguia por detrás de um
balcão.
_Posso
ajuda-lo cavalheiro?
_Procuro
um doce.
_Algum
específico?
_Não.
Apenas um doce.
A garota
o detinha em seu olhar brilhante, mesmo quando Albert lhe infligia
sua indiferença glacial. Talvez um pouco de amabilidade não fizesse
mal algum, mesmo por que deveria se aliviar da pressão que o
ambiente hostil do escritório podia causar.
Decidiu
sorrir do modo mais gentil que havia conseguido. Devia ter surtido
algum feito, pois logo a moça se mostrou prestativa e lhe apresentou
diversos doces que lhe pudessem interessar.
Passava
as páginas do catálogo entre os dedos um tanto delicados para uma
confeiteira. Apresentou as guloseimas em ordem alfabética, passando
desde o simplório e holandês alcaçuz até o magistral mil folhas.
Tantas páginas foram desdobradas a sua frente, porém seus olhos já
não as acompanhavam mais, porque estavam dependurados sobre a tez
pálida da criatura a seu lado. Olhos claros, cabelos cor de mel,
boca pequena, corpo delgado, traços suaves...
Por fim a
garota notou sua ausência e lhe inquiriu sobre o doce preferido.
Albert riu pela perspicácia e resolveu sondá-la melhor.
_A
senhorita me sugeriria algum doce em especial?
_Não
sei... o senhor me parece não ser atento o suficiente para tais
assuntos.
Albert
alargou o sorrio da forma mais sensual que sabia fazer. O efeito foi
imediato apesar da garota ainda desejar demonstrar o falso
desinteresse, assim o julgava.
_Realmente
a senhorita me flagrou... não possuo muito interesse nos doces...
A
expressão teve notável mudança após aquelas palavras. Os olhos
dela recaíram sobre o ramalhete, enquanto os lábios finos se
retorceram. A partir daí os acontecimentos tomaram um rumo menos
sedutor.
_ _
Um banho
demorado era tudo o que ela desejava no momento. Seu corpo se
dissolvia com a corrente de água que lhe enrubescia a pele gélida e
fina.
Enquanto
secava os fios curtos de seus negro cabelos ela podia ver a silhueta
pelo reflexo do espelho e dos vidros. Ao longe o som das ondas se
quebrando nas pedras e o reflexo prateado que as águas ganhavam a
luz do luar.
Sentou-se
na beirada da macia e extensa cama, pondo-se a espalhar o hidratante.
Seguia lenta e suave em sua exploração pelos próprios contornos.
Tocou cada parte de sua pele, notando os arrepios provocados pelo
contato com o creme gelado. Incendiou ao passar as pontas dos dedos
em suas texturas suaves. Escovou os curtos cabelos e vestiu a
camisola de seda negra.
Correu a
porta de vidro e se deparou com a maré. O mar estava a vinte metros
da pequena varanda.
Apertou os dedos no contorno do corrimão e
meneou a cabeça ao sentir a brisa quente que emoldurava o tecido
frio em suas pernas e torso.
Passou
algum tempo naquela posição até ouvir o som do telefone. O único
aparelho que a conectava ao mundo. Ignorou os chamados insistentes e
tomou o pequeno livro nas mãos. Gostaria de poder iniciar a leitura,
mas seus sentidos foram aguçados ao perceber a figura que a
espreitava da areia.
Um torso
bronzeado refletia a luz prateada. Mãos grandes percorriam cabelos
jogados ao vento.
Um deus,
Chloé pensou. Ou um semi deus, não faz diferença.
De
repente o medo lhe tomou conta. O que aquele estranho havia visto?
Sentiu seu interior se contrair e algo denso e perturbador brotar
dentro de si... os batimentos foram as alturas e apesar de não
desejar sair da posição em que se encontrava, suas pernas foram
mais ligeiras e logo se percebeu correndo para longe.
A uma
certa distância pensou ter conseguido escapar de seu semi deus
misterioso, mas os pensamentos foram traídos quando notou mãos que
a arrastavam pela cintura. Gritou, esperneou, mas não via o estranho
se reprimir.
O que ele
fará comigo? Era a dúvida que a assombrava.
_ _
_Uma
dessas, por favor.
O velho
entregou a rosa e logo capturou a nota que lhe era estendida. Afoito
tentou oferecer outras variedades, mas o homem se posicionava
irredutível em sua escolha.
Se
afastou do senhor e adentrou a loja. Com o olhar varreu o ambiente e
encontrou seu objeto de procura. Pensou em se aproximar e falar logo
o que precisava, mas se conteve.
Durante
algum tempo ficou observando o interior da loja, notou as embalagens
e as guloseimas. Ainda possuía a mesma sensação de que o fitavam.
A sua esquerda os mesmos olhos o percorriam atentamente. O senhor
ainda era desconfiado de sua presença, Albert podia sentir.
Mas as
desconfianças logo se suspenderam quando outro par de olhos pousaram
sobre ele. Olhos claros e brilhantes tentavam esconder as sensações
que transpassavam aquele rosto.
Após a
saída do último cliente, ele se aproximou. Ignorado por algum
instante ele a viu ir para trás da loja. Aproximou do balcão e foi
questionado sobre seu interesse naquele local. Respondeu de modo
firme e acabou por diminuir as desconfianças do velho. Ao retornar,
a jovem dispunha de uma bandeja.
_Venha cá
Julie... esse senhor disse que precisa lhe falar.
_Sim
vovô.
Albert se
aproximou. Mantinha sua mão presas a rosa. Estendeu a flor e notou o
rubor nas faces outrora pálidas.
_Julie,
converse com o senhor. Ele lhe é gentil, aceite o presente.
Os dedos
se esbarraram naquela troca. As faces voltaram a se incendiar e
Albert tomou-lhe a mão, fazendo-a segui-lo pela loja. Ao
consentimento do senhor que os observavam eles saíram.
Demorou
um pouco até que alguém tomasse a iniciativa, mas por fim ela
acabou iniciando a conversa. Os minutos se passaram, depois as horas
e logo estava escurecendo. A conversa, apesar de, na maior parte,
ter sido sobre questões corriqueiras revelaram pontos fundamentais
sobre ambos.
Em uma
das partes, Julie emudeceu ao descobrir a confusão que era suposta
ter cometido. Quando Albert lhe disse que as flores do dia anterior
não foram entregues e o motivo, a garota teve um acesso de vergonha
extrema. Como forma de se redimir ela precisou aceitar o insistente
convite dele para saírem no final de semana.
_ _
_Uma
belíssima dama tenho hoje em minha companhia.
Já era o
sexto passeio que Julie fazia com Albert. Ele sempre se mostrava
galanteador, educado, culto, gentil e respeitoso. Além de ser dono
de uma beleza incrível. Muitas qualidades para um homem apenas,
Julie havia pensado no início. Porém, após diversas saídas, ela
passou a conhece-lo melhor.
Ele não
era como outros homens que havia conhecido. Era diferente, não
apenas pelo fato de ser mais velho e sim por nunca ter feito ou dito
nada que a pudesse ferir ou deixa-la em constrangimento.
No
início, pensava que logo ele a deixaria de lado. Mas ao perceber que
a situação não era essa, Julie começou a enxergar o homem, que
agora estava a sua frente, de um modo diferente. E durante uma
semana, reuniu coragem o suficiente para fazer algo que julgava
necessário. Hoje seria o grande dia.
_Pagaria
com o mais valioso dos tesouros para conhecer seus pensamentos.
Julie
sorriu ainda desajeitada com o galanteio. Por mais que já fosse
hábito, ela nunca se acostumaria com os modos gentis daquele homem
intrigante. Por alguns segundos ela emudeceu.
_Minha
dama prefere partir?
Já
haviam terminado o jantar a algum tempo. Era a segunda vez que eles
saiam para ir a um dos mais caros restaurantes do centro. Por mais
que Julie houvesse insistido em não possuir porte para frequentar
tais lugares, Abelrt sempre havia se mostrado generoso. Ela não
aceitava que ele lhe comprasse presentes caros, mas não pôde
recusar o presente de aniversário. E hoje usava o Dior azul claro.
Percebeu
quando Albert já chamava o garçom e encerrava a conta. No caminho
de volta, Julie permanecia quieta dentro do imponente carro. Pararam
a distância de uma rua do pequeno apartamento onde ela vivia com o
avô. Surpreendeu-se por Albert não ter avançado e parado em frente
do prédio como de costume. Assustou-se, mas logo se acalmou ao
perceber a expressão calma e preocupada do homem.
_Julie,
hoje à noite eu disse ou fiz algo que a ofendeu?
Negou com
a cabeça e abaixou o olhar. Sentiu mãos tocarem seu maxilar e levar
seus olhos ao encontro de uma bela figura em um smoking. Seu coração
parou. Deveria sair daquele carro, correr rápido e se colocar em
segurança. Entretanto de seus lábios saíram a pergunta que a
perturbaria pelo resto da noite.
_Por que
você perde seu tempo comigo?
Albert se
manteve calado por um tempo. Fechado em seu interior, como ela o viu
fazer diversas vezes. E a resposta que recebeu em seguida a tirou da
órbita. Albert confessava que ficar ao lado dela sem poder tocá-la
era um tormento, mas não mantinha esperanças, pois sabia que ela
preferiria alguém de uma idade parecida e não um velho como ele. O
que não era verdade, pois Julie não o via como um velho.
Perdeu a
razão, assim pensava. Pois em um curto instante, seus lábios já
estavam selados ao do homem a sua frente. As mãos suaves percorriam
o corpo másculo. O lábios sugavam a boca do outro com extrema
delicadeza.
No
início, sentiu Albert ser cuidadoso, mas logo o homem já não
respondia mais com muita delicadeza. Sugava seus lábios de forma
voraz e puxava-lhe pela cintura. Por mais assustador que o pensamento
pudesse ser, Julie queria sentir seu corpo colado ao dele.
Intensificou ela mesma os modos e logo a luxúria pediu passagem
entre os dois.
Era pressionada contra a porta do carro, enquanto a boca explorava os
contornos de seu pescoço com extrema audácia. Sentiu o torso
pressionado pelos braços fortes e as mãos que lhe percorriam e
apertavam as pernas.
Arfou ao
contato daquele corpo com o seu. Queria senti-lo. Desejava-o. Mas não
ali, daquele modo. Acabou por dizer o que havia pensado em fazer a
noite toda, sem nenhum traço de arrependimento e com os lábios
ainda inchados:
_Vamos
sair daqui...
O carro
avançou veloz pela rua, enquanto uma das longas mãos ainda
pressionava sua perna.
...
continua
by Katarina
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