Morte.
Palavra familiar.
Redenção.
Palavra desconhecida.
As
sirenes do outro lado do vidro são audíveis. Preciso me mover,
preciso sair daqui, mas como?Pergunto-me. Como deixar o palco da
encenação?
Viver dos
momentos ludibriadores que permanecem ao meu redor? Jamais!
Entregar-me?
Não é uma opção!
Sinto
minha mandíbula se contrair, meus dentes comprimidos pela força
aplicada. Corpos diferentes; constituem par de ação e reação...
Ainda
assimilo o breve pensamento que tive antes de me comprometer: O
quê está pensando?!Eles vão te pegar! – Não!! (jurei para mim
mesmo) Nunca! Sou o melhor no que faço!
É real.
Sou mesmo o melhor no que faço. Indiscutível.
Um ano
atrás, um maníaco assume o posto de líder. Fecho meus olhos e
penso na ira que me domina quando penso em tudo o que ele fez. Retomo
os passos que fiz até alcançar o meu objetivo.
Estou na
rua. Luzes cintilantes, neons para ser exato. Noite alta, vasta
multidão, muita música, mulheres, homens, outras espécies...
Pelos
cantos, os desvalidos, os cansados, crianças, idosos, pessoas que
passaram a ser ignoradas, acusadas e torturadas por serem julgadas
como impróprias para habitarem no meio da sociedade. O homem que
consumia o próprio homem. Ao menos seria essa a lógica se eu ainda
julgasse como humanos as criaturas manipuláveis e cruéis que
gostavam da carniça dos que um dia foram os seus iguais.
As vozes
altas e baderneiras, os odores fortes, o gosto intragável daquela
multidão. Carniça! Odeio isso... pessoas nojentas e que se mostram
superiores, quando na verdade são piores do que os próprios
excrementos.
Loucos.
Depravados. Mentes sórdidas e pútridas que desejam se unir ao asco
de sua existência, ou ao menos levar consigo um maior número de
adeptos desse estilo.
Como
podem fazer tal coisa? Como podem cogitar o verdadeiro prazer como um
ato imprudente e repugnante do que julgam ser a alegria? Aversão já
não é mais o senso correto pelo qual entregaria tais espécimes...
Talvez ‘filhos do mundo’... os verdadeiros (ódio interno...
posso senti-lo).
‘Filhos
do mundo’, mistura tola e irracional pela qual definem todos aos
quais não pertencem ao seu segmento. Com se pudessem de fato prever
todos aqueles cuja mente e bolso são confiáveis o suficiente para
estarem no meio desses vadios imundos.
Ha,ha...
sarcasmo... como diriam: tenham fé meus fiéis, pois afinal, quem
pode prever as atrocidades as quais estamos sujeitos por culpa dos
filhos do mundo...
O
discurso político é evidente, mas isso é assunto para outro
instante. Respondendo: EU posso prever, EU sei o que esperar,
como e quando esperar, SOU capacitado... Responsável pela justiça -
não o julgamento, pois eles se autocondenam- tolos e imbecis acham
que podem escapar, mas não, nunca podem!
E hoje
era a vez do grande desastre para o chefe deles. Aquele cuja mente se
prediz capacitada para o auto controle e dominação das massas. Sua
figura tão calma e serena esconde de todos a maior infecção jamais
vista por aqueles que o cercam, ou ao menos aqueles que se deixam
dominar por ele. Esta noite ele conhecerá a verdadeira justiça
divina.
Os
aposentos dele eram luxuosos. Luxuosos demais para alguém que vivia
se dizendo santo e humilde servo. Humildade nunca foi palavra para
aquele ser. Humilhação será a palavra ideal.
Devido as
ideias repulsivas daquela mente, hoje a sociedade se encontrava em
organização destrutiva. Os assim chamados “mais fortes” agora
possuíam poderes diretos sobre qualquer um que considerassem mais
fracos ou descartáveis para o mundo.
Era
horrendo! Pessoas cometendo atrocidades contra as outras por se
acharem nesse direito. E eu percebi que elas nunca iriam parar se o
líder não fosse deposto.
Meu ódio
por eles era intenso, a minha boca secava cada vez que minha mente
recordava o motivo maior que me levou até aquele lugar. Receber o
corpo do meu filho. O corpo inerte e frio, um garoto de quinze anos,
fuzilado. Um menino esperto, inteligente, que possuía uma vida
inteira pela frente.
Meu
filho. Morto. Um mês depois eu recebo o disparate de um pedido de
desculpas enviado pelo correio. Diziam que meu filho havia sido
confundido com um dos ‘filhos do mundo’. O ódio cresceu, a
vontade de vingança surgiu. Mas ódio e vingança acumulados me
fizeram criar forças, fizeram cada passo se tornar único e cego até
atingir o objetivo.
E hoje eu
estava ali, naquele lugar. O alarme já havia sido soado, mas eu não
desistiria. Eu o encontraria e depois mostraria sua cabeça
despregada de seu corpo para todos que ali estivessem.
Levantei-me
e comecei a andar pelo local. Era uma fortaleza enorme, mas meus
instintos já estavam treinados e meu ódio crescia cada vez que
sentia estar chegando perto. Eu o mataria e deixaria o sangue
escorrer pelos meus dedos.
Atravessei
todos os corredores e alcancei uma porta enorme. Sem pensar duas
vezes saquei a arma que carregava e entrei no local. A minha frente
havia um monitor, uma espécie de tela gigante e apenas uma cadeira.
Assentado nessa cadeira havia alguém. Ele.
Apontei a
arma em sua direção.
_Vire-se...bem
devagar... quero olhar nos seus olhos enquanto eu o faço pagar por
tudo isso.
A cadeira
foi virada e o rosto familiar apareceu. Era idêntico aos dos
inúmeros programas e cartazes distribuídos por todos os locais. O
homem velho e grisalho.
_Assassino...
Meu dedo
já estava no gatilho. Minha mente já estava preparada. Mas não
precisei puxar o gatilho para ouvir o barulho da bala. Foi então que
notei. Atrás de mim havia mais alguém. Esse alguém havia acabado
de matar o homem a minha frente.
Não me
virei rápido, mas quando o fiz, meus olhos não acreditaram naquilo
que estavam vendo. O garoto sorria enquanto abaixava a própria arma
lentamente. Depois me encarou e eu gelei com aquela expressão.
_Olá...
papai.
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