Não demorei muito para encontrar
o local descrevido pelo homem. Felizmente, ou não, o local era exatamente como
nas descrições, um beco sujo, fedorento e sem saída se destacava decrepito e
cheio de rachaduras.
Um rato, que mais parecia um gato
de tão grande, correu a minha frente e foi se esconder num amontoado de lixo
que estava na esquina. Baratas apontavam as suas antenas e corriam dos boieiros
para a rua a fim de saborear os últimos vestígios do dia.
Perguntei-me como alguém teria
coragem de morar em um lugar como aquele, onde os seres do esgoto é que
reinavam. Certamente a vigilância sanitária não fazia muitas aparições por ali.
Caminhei até a entrada do prédio
onde um homem estava sentado e tragava um cigarro. Ele possuía cabelos brancos
e a sua barriga saltava para fora da camisa com os botões estourados. Tive nojo
ao olhar para ele, nem sei quem fedia mais, se era aquele homem ou o lixo
amontoado na rua.
– Olá, gostosa! – ele sorriu para
mim exibindo um conjunto de dentes cariados e outros que nem estavam mais lá. –
Quem é você? Por acaso Deus ouviu as minhas preces e mandou uma mulher bonita
para me satisfazer. – ele me lançou um sorriso malicioso.
Eca! Eu senti só de imaginar
aquelas mãos imundas em uma criatura celestial como eu.
– Eu gostaria de um quarto. –
murmurei logo me arrependendo do que havia dito.
– Pode ir para o meu se quiser. –
ele piscou para mim.
– Nem se fosse a minha única
opção. – respondi de imediato.
O homem fechou a cara,
provavelmente nada satisfeito com a minha resposta. Mas por mim pouco
importava, tudo o que eu queria era acabar logo com aquela palhaçada e voltar a
dimensão celestial.
– Papai do céu não gosta de quem
distrata as pessoas, sabia? – disse o homem ao levantar-se com muito esforço da
cadeira. Provavelmente aquela enorme e cabeluda barriga deveria pesar uma
tonelada.
– Pode acreditar, eu o conheço
melhor do que você. – murmurei. – Vai me arrumar um quarto ou não?
– Espera ai garota! – disse o
homem ao levantar as mãos. – as coisas não são bem assim não. Ter um quarto eu
ate tenho, mas recebo adiantado e são 150 por mês. – disse ao estender uma das
mãos viradas para cima.
– 150 por esse brejo. – murmurei
surpresa com o valor. – Só pode estar de brincadeira.
– É pegar ou largar. – disse o
homem. – Eu duvido muito que encontre algo melhor do que isso por ai.
Tirei o dinheiro da bolsa e o
coloquei sobre a mão imunda do sujeito. Ele olhou para mim e sorri grato.
– Segundo andar, quarto 28. –
disse o homem ao pegar uma chave atrás do balcão mandar para mim. – recebo
sempre adiantado. – berrou assim que eu dei as costas. – e qualquer problema
que tiver com o quarto, bem... é problema seu. Mas sinta-se a vontade se quiser
visitar a suíte presidencial.
– Ótimo! – pensei alto. – Eu me
viro sozinha.
As portas dos quartos tinham
números garrafais pregados nelas. Procurei pelo número 28. Quando coloquei a
chave na fechadura, tive medo que essa caísse na minha mão. Assim que abri a
porta e acendi a luz, uma barata correu para debaixo da cama.
Só poderia ser um pesadelo, do
qual eu estava desesperada para acordar. Deveria ser proibido colocar um anjo
em um chiqueiro como aquele.
Eu me sentia imunda, infectada
com aquela sujeira toda. Precisava de um banho, mas só de olhar para aquele
banheiro eu desisti.
Joguei a sacola de roupas sobre
uma cômoda caindo aos pedaços e sentei-me sobre a cama que rangeu por mal
suportar o meu peso. O céu estava escuro lá fora e a chuva não tardou a cair.
As pedras de gelo se chocavam
contra o telhado mal feito e batiam contra a janela de vidro, pela qual entrava
a pouca luz externa. No verão eram comuns chuvas como aquelas, mas sua
intensidade não era um bom sinal.
Abria as minhas asas e as fechei
em torno do meu corpo. As penas de um tom branco encardido me irritavam, mas pelo
menos serviam para me lembrar de que eu ainda era um anjo, mesmo que a minha
colocação não fosse mais a mesma.
Acariciei as penas, enquanto
respirava fundo. Quando será que aquele terrível pesadelo iria acabar?
– Belas asas. – disse uma voz
familiar.
Ergui meus olhos e encarei um
anjo parado de pé a poucos metros de mim. Ele era alto e os seus músculos se
destacavam sob a túnica, seus cabelos eram cor de cobre e os olhos verdes. As
asas intensamente negras o tornavam inconfundível.
– Aron. – exclamei surpresa ao
vê-lo. – O que faz aqui?
Ele sorriu e caminhou na minha
direção. Exibindo as suas asas como quem queria me afetar. Mas eu não me
importei ou consegui fingir bem.
– Fiquei sabendo que o criador a
puniu e agora é uma mortal. – ele murmurou me encarando profundamente. – eu só
quis ver com os meus próprios olhos.
– Ver com os próprios olhos ou me
humilhar?
– Bem, quem se importa? – ele deu
de ombros
– Para a sua informação ainda sou
um anjo. – disse ao abrir bem as minhas asas para que ele pudesse vê-las.
Aron riu.
– Guarda costas de humanos. –
murmurou balançado a cabeça em sinal de negação.
– Sim. – respondi. – E o que você
tem haver com isso?
– Nada. – ele respondeu em um tom
sarcástico. – Felizmente eu não tenho nada haver com isso. – ele soltou uma
gargalhada. – A mais bela dentre os anjos da morte, agora não passa de uma
simples babá de mortais.
Fiquei em silencio. No fundo
minhas entranhas fervilhavam, mas de nada adiantaria brigar com ele.
– Feliz agora? – voltei a
encará-lo. – Já se divertiu o bastante e eu gostaria de dormir.
– Você me surpreende. – ele
murmurou.
– Sério? – disse em um tom
sarcástico.
– Não vou sair do seu pé, sabia?
Balancei a cabeça positivamente.
– Infelizmente sim.
– Então, boa sorte para você. –
ele me disse em um tom irônico – Todos estão torcendo por você.
– Imagino.
– Sinta-se a vontade para me
procurar quando precisar de ajuda.
– Não vou precisar. – garanti a
ele.
– É você quem sabe. – disse ele
antes de desaparecer em um feche de luz.
Era só o que me faltava ser
motivo de chacota entre os anjos da minha ex-casta. Como se já não fosse o
bastante passar por tudo aquilo, pensei olhando o ambiente ao meu redor. No
fundo eu sabia que por pior que tudo aquilo me parecesse eu não deveria ir
contra os planos do criador, ele, somente ele, sabia o que era melhor a todos.
Deveria pensar no propósito de tudo aquilo.
Porem eu não era obrigada a viver
naquele chiqueiro. Ah, mas não mesmo! Levantei-me da cama fazendo com que a
barata corresse para debaixo dela novamente. As pedrinhas de granizo ainda
batiam contra a janela causando um barulho irritante.
Bem, como o homem horrendo dono
daquele lugar havia dito, o que acontecesse com o quarto era problema meu.
Então haveria problemas se eu fizesse algumas mudanças naquele lugar. Era proibido dizer que eu era um anjo, não
havia nada conta a utilização dos meus poderes, e como eu ainda era um anjo...
Fechei meus olhos e me
concentrei. Uma explosão de luz irradiou do meu corpo. O cheiro de ar limpo me
preencheu com uma sensação de bem estar. Agora aquele lugar estava no mínimo
descente.
Caminhei na direção do banheiro. Já que eu deveria
cumprir aquela missão depois de um banho o meu primeiro passo seria encontrar
aquele a quem cabia a minha proteção.continua...
by Ashe
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