Cai come se fosse um cometa,
explodindo o chão. Uma cratera foi aberta aos meus pés. O beco em que eu cai
estava aparentemente vazio, até que um mendigo se revirou em um amontoado de
caixas de papelão e me encarou com um ar surpreso. Compartilhei de sua surpresa,
porque humano algum era capaz de me ver, só... só se este estivesse a beira da
morte.
Balancei as minhas longas asas,
tirando o pó de asfalto das penas. Então eu via a cor delas, um branco sujo,
amarelado. Lembrei-me de quem eu me tornara agora, não era mais um anjo da
morte, não passava de uma simples guarda costas de mortais.
O mendigo caminhou de joelhos em
minha direção, quase ao ponto de tocar as minhas vestes. Ele me encarou
perplexo. Tive certeza de que ele era capaz de me ver. Os humanos só me viam
quando estavam prestes a abraçar a morte, mas agora as coisas pareciam
diferentes.
– Ah, meu senhor, obrigado. – o
mendigo se aproximou mais de mim sendo capas de tocar as minhas vestes. Dei
alguns passos para trás, a fim de me afastar, humano algum tocava um anjo.
Ouvi um bater de asas vindo de
trás de mim, a poeira do chão levantava com o movimento das penas. Virei o meu
rosto para ver quem era o outro anjo e dei de cara com o brilho da aura de Azarel.
– O que faz aqui, Izabella. –
perguntou-me o anjo.
– Eu não sei, mestre. – murmurei.
– Eu não sei.
– Tem uma missão e deve
cumpri-la. – disse ele em um tom sério.
– Mas... – fui interrompida.
– Toda a missão é importante,
Izabella, sendo elas como anjo da guarda ou como um anjo da morte. Não cabe a mim
nem a você discordar dos planos do criador. – aconselhou-me. – Apenas faça o
que lhe foi ordenado, siga o seu novo dever. Proteja o humano.
–Mas como vou fazer isso? Nem
tenho ideia de qual humano eu devo proteger.
– Isso, minha querida, terá que
descobrir sozinha. – ele respondeu caminhando em direção ao mendigo e pegando a
alma dele nos braços, assim como eu tinha o costume de fazer. – Terá que
reconhecer o humano quando estiver diante dele. – disse ao jogar uma bolsa ao
meu lado. – Terá que viver entre os humanos agora e recolha as suas asas, os
humanos agora podem vê-la.
Azarel desapareceu da mesma forma
misteriosa que surgiu. Deixando-me sozinha com um corpo caído e sem vida há
poucos metros. Eu não sabia para onde ir e nem a quem deveria proteger.
Recolhi as minhas asas, a minha
auréola desapareceu. Ótimo! Agora eu me
assemelhava a uma humana, sem sal e sem graça. Peguei a bolsa que Azarel havia
deixado e olhei dentro dela, lá havia dinheiro, alguns documentos e uma carta.
Olhei pelo corpo caído e imóvel
do mendigo pela ultima vez. Humanos, criaturas decrepitas, meros mortais. Não
conseguia entender como criaturas tão medíocres e inferiores mereciam algum
tipo de proteção.
Caminhei em direção à saída do
beco. As paredes feitas de tijolos vermelhos estavam repletas de rachaduras e
pichações. Havia um cheiro horrível exalando do chão e algo me dizia que ainda
não era o corpo do humano começando a feder, mas algo que já deveria estar
morto há mais tempo.
A única saída do beco dava para
uma rua movimentada, cheia de pessoas e carros. A vida medíocre dos humanos me
dava tédio.
Enquanto eu caminhava pelo
passeio uma mulher passou por mim correndo ao lado de um cachorro. O animal
quando passou ao meu lado começou a latir, como se ele fosse capaz de perceber que
havia algo de diferente comigo.
– Desculpe, moça. – disse a
mulher.
Quando os olhos dela fitaram os
meus a mulher deu um passo para trás. A presença angelical a fez tremer.
Felizmente eu havia sido rebaixada, mas não deixara de ser um anjo. Ela sorriu,
por um momento ela esqueceu da correria e do latido do seu animal. Isso é o que
causava um anjo há aquelas pessoa que verdadeiramente podiam senti-lo, uma
enorme paz interior. Infelizmente para os mortais, poucos eram aqueles que
tinham o dom de sentir a presença dos anjos. Ignorei a mortal e continuei com a
minha caminhada em busca de um mortal do qual nem fazia ideia.
Por onde quer que eu passasse os
humanos olhavam para mim. Por mais que as minhas asas e a aureola estivessem
escondidas eu ainda chamava muita atenção. A minha túnica não parecia ser uma
vestimenta muito comum.
Abri novamente a bolsa e peguei a
carta que estava lá dentro. Retirei-a para lê-la.
Querida, Izabella,
Como é a sua primeira missão como
anjo da guarda é de praxe que se sinta despreparada. Cuidar de humanos não é
uma tarefa fácil, ainda mais alguém como o seu protegido. Mas você é um anjo
competente, acredito que conseguirá cumprir a sua missão sem demais
dificuldades.
Contudo, existem coisas que você
precisa saber para prosseguir com essa missão. Os humanos não tem certeza da
existência de anjos, pelo menos não a maioria deles e o criador prefere que as
coisas continuem assim. Portanto, terá que se misturar aos mortais, agir como
se fosse um deles sem deixar que descubram quem você verdadeiramente é.
Você está no bairro onde mora o
seu protegido, procure o edifício Clara Stela e se hospede lá. Haja como se
fosse um deles e fique sempre próxima ao garoto.
Só voltarei a entrar em contado
se algo der errado ou se você concluir a missão. Portanto, boa sorte.
Atenciosamente;
Lucas
Anjo da casta de tronos;
Patrono dos anjos da guarda.
Que maravilha! Misturar-me aos
humanos, só poderiam estar brincando comigo. No fundo toda aquela palhaçada
deveria ser uma grande brincadeira, que por sinal era de muito mau gosto.
Esperava sinceramente que todo aquele teatro acabasse o mais cedo possível.
– Oi, gata! – resmungou um mortal
ao passar por mim. – Roupas maneiras, de qual festa de Halloween você fugiu?
– Cala a boca, imbecil! – rosnei.
– Olha só, a gata é arisca! – ele
murmurou ao descer da moto. – Por acaso está perdida? – perguntou em meio a um
sorriso ao se aproximar ainda mais de mim. Humano repulsivo!
– Não, não estou. – respondi de
maneira grosseira.
Ele riu.
– Não é o que parece.
– O que parece ou não, não é da
sua conta. – resmunguei entre dentes.
– Oh, TPM!
– Por acaso você sabe onde fica o
edifício Claro Stela? – fui tentada a perguntar. No fundo eu realmente estava
um pouco perdida.
O homem riu alto, seus olhos
castanhos brilharam. Ele estava brincando comigo, eu tinha certeza disso. Seu
olhar malicioso e a sua aura tremulando em vermelho me disseram isso.
– O que uma princesa como você
quer naquele brejo. Aquele não é lugar para você não, boneca. – disse o homem
ainda em meio a gargalhadas.
– Não é você quem decide qual é o
melhor lugar para mim. – rosnei.
– Ah, com certeza não sou eu.
Porque do meu ponto de vista o melhor local para você seria a minha cama. – sua
aura tremulou ainda mais maliciosa assim que os seus olhos percorreram o meu
corpo.
– Como ousa ofender um anjo dessa
forma?! – rosnei
– Oh, com certeza você é um anjo.
– ele riu, tirando sarro da minha cara como se o que eu acabei de dizer não
passasse de um simples comentário de alguém que possui o ego muito elevado.
– Eu realmente sou um anjo, seu
idiota! – esbravejei.
Ele riu.
– Acho que você realmente fugiu
do hospício, delicia. – disse em meio a uma gargalhada irritante. – Mas se você
quiser ir passar a noite na minha casa eu não vou reclamar nem um pouco. – ele
piscou para mim.
– Me diz logo onde fica o
edifício! – eu já estava ficando nervosa. Humano insolente!
– Calma, doçura. O prédio fica a
três ruas daqui em um beco escuro e sem saída. Mas estou falando sério se eu
fosse você não iria lá não. Aquele não é lugar para uma mulher tão linda quanto
você.
– Eu só te perguntei onde é o
local e não a sua opinião a respeito.
– Oh! – ele resmungou cambaleando
para trás como se tivesse levado um golpe. –
Vai lá então, gostosa. Só não diga depois que ninguém a avisou. E se
aceitar pelo menos um conselho, arrume roupas decentes para você. – ele apontou
para a minha túnica que já estava com a barra suja e para os meus pés
descalços. – Ninguém anda enrolado em um
lençol por ai.
Comecei a andar em direção ao
local indicado, mas o humano me impediu segurando-me pelo pulso. Livrei-me de
suas mãos imundas em um rápido movimento.
– Como ousa tocar em mim. –
rosnei.
O homem encarou-me perplexo, seus
olhos mergulhados em uma profunda surpresa. Ninguém tocava em um anjo sem
sentir o poder que emanava dele.
O homem afastou-se com passos
cambaleantes.
– Quem é você?
– Não deveria ter me tocado – eu
o adverti.
– Quem é você? – ele repetiu.
– Não é da sua conta. – murmurei
ao encará-lo. – Vai esquecer aquilo que sentiu. Eu não passo de uma garota
normal que você viu na rua.
– Você é apenas uma garota
normal. – sussurrou ele como se fosse um zumbi.
Virei às costas e continuei
caminhando. Porem, desta vez eu não fui interrompida, nem seria após ter
hipnotizado o humano. Poucas eram as vezes que tínhamos permissão para fazer
isso e uma delas era quando um humano estava perto demais de sentir o
verdadeiro poder de um anjo.
Encarei a minha túnica que àquela
altura já estava mais do que imunda por causa da sujeira daquele lugar. Mesmo
que as minhas asas estivessem enterradas na carne e a minha auréola apagada os
humanos a minha volta ainda me encaravam com olhares curiosos. O mortal estava
certo, eu realmente precisava trocar de roupa.
Encontrei uma loja simples quando
virei à esquina. Lá havia um único e simples trocador e as roupas estavam
jogadas aos montes. A mulher que cochilava atrás do balcão provavelmente não se
dava ao trabalho de organizá-las em araras.
Caminhei pela loja em busca de
algo decente para vestir. No fundo nada parecia ser bom o suficiente para
substituir a minha túnica, mas eu precisava vestir algo para me misturar aos
mortais. Ainda mal acreditava naquela palhaçada toda. Ser punida, rebaixada a
anjo da guarda, por que uma coisa horrível dessa iria acontecer logo comigo?
– O que quer garota? – perguntou
a mulher ao despertar com os meus passos dentro da loja.
– Só estou procurando algumas
roupas para mim.
– As pessoas dificilmente entram
aqui. – murmurou a mulher ao passar as mãos pelo cabelo grisalho e espigado.
– Não é difícil perceber o porquê.
– murmurei baixinho ao observar o local a minha volta.
Peguei as melhores camisetas que
encontrei, mesmo que essas ainda se parecessem com trapos, algumas calças jeans
surradas. Não conseguia entender como os mortais preferiam aquilo as majestosas
túnicas usadas pelos anjos.
Usei o provador para trocar de
roupa, guardei a mina túnica dentro da bolsa que me foi dada por Lucas. Peguei
duas blusas de frio sobre uma montanha de roupas e caminhei na direção do
balcão.
troco.
– Ah, obrigada. – disse a mulher
ao recolher o dinheiro como se fosse a sua ultima esperança de vida.
Joguei os trapos em uma sacola e
calcei os tênis que havia encontrado em uma prateleira tão desorganizada quanto
o restante da loja. Sai caminhando da loja, agora vestindo os mesmos molambos
usados pelos mortais.
continua...
By Ashe
0 comentários:
Postar um comentário